Um laudo antropólogico, feito a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), é o mais recente lance de uma batalha judicial que se arrasta há 18 anos, tendo Mato Grosso e a União Federal em lados opostos e os 2,6 milhões de hectares do Parque Indígena do Xingu - e os 4,6 mil índios de 16 etnias que ali vivem - , no centro das discussões.
No processo, que já soma 13 volumes e quase 4 mil páginas, a Procuradoria do Estado tenta provar que o maior parque indígena do mundo teria sido criado não sobre terras de fato indígenas, mas em áreas devolutas repassadas ao patrimônio estadual ainda no século 19, que jamais foram a ocupação permanente de qualquer das etnias existentes hoje no parque.
"Ao incluir dentro dos limites do Parque Indígena do Xingu terras devolutas do patrimônio do Estado de Mato Grosso e, através dos funcionários da Funai, transferindo índios para elas, sem recebê-las em doação e/ou desapropriá-las, (a União) cometeu ato ilícito de esbulho", acusa um trecho da Ação de Desapropriação Indireta proposta em novembro de 1986.
Alegando ser o Xingu um parque "artificial" - já que as terras indígenas tradicionais pertencem à União - Mato Grosso pede indenização por perdas e danos, além de juros contados a partir da publicação do decreto 50455, de 14 de abril de 1961, que estabeleceu a primeira demarcação da área. "O Estado de Mato Grosso não foi contatado pelo Ministério da Agricultura para doar terras devolutas estaduais, e nem mesmo para fins de desapropriação pela União Federal", diz outro trecho da ação, que não poupa nem mesmo os irmãos indigenistas Orlando, Leonardo, Cláudio e Álvaro Villas Bôas, que a serviço da Funai trabalharam para a concretização do parque.
"Vastas porções do território de Mato Grosso foram, por atos ilícitos de agentes da administração federal, transformados em terras indígenas (...) habitat artificialmente criado pelos Villas Bôas para os índios". Em 1987, o Ministério Público Federal, na pessoa do hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, se manifestou frontalmente contrário aos argumentos de Mato Grosso em relação ao Parque Indígena do Xingu. E contesta a real intenção das muitas alienações de terras feitas pelo Estado a terceiros pouco antes da demarcação definitiva.
"A simples adição desses números fornece uma idéia do escândalo de terras em Mato Grosso. Embora o Parque Indígena do Xingu tenha 2,6 milhões de hectares, a soma dos títulos já ultrapassa este limite", diz Mendes, em alusão ao montante de lotes reclamados pelo Estado e também por quem possui títulos de propriedade na área do parque - neste momento, tramitam cerca de 20 ações de desapropriação indireta movidas por possíveis proprietários de lotes no Xingu (entre eles o playboy paulistano Chiquinho Scarpa).
No STF, o processo de desapropriação indireta transcorreu por 11 anos até ser encaminhado na forma de Carta de Ordem à 2ª Vara da Justiça Federal em Mato Grosso, em 1997. Essa instância ficou encarregada de realizar uma perícia antropológica na região do Xingu, para confirmar se havia ou não a presença de índios na área do parque em anos anteriores à sua criação.
O trabalho acabou sendo realizado entre os meses de julho e novembro de 2001 pelo antropólogo João Dal Poz, nomeado pelo Juiz Federal Jefferson Schneider, da 2ª Vara Federal. O perito, em mais 300 páginas de relatório, assegura que a ocupação humana na região do rio Xingu e seus contribuintes remonta a pelo menos 800 anos.
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