Jovens dedicam mais de dez anos de sua vida para aprender as muitas tradições, cantorias e artes da pajelança huni kuin

Página 20 - 26/04/2007
Pelo menos cinco dias subindo o rio a partir da cidade de Tarauacá são necessários para chegar até a aldeia São Joaquim na Terra Indígena do Baixo Jordão, município do Jordão, onde existem seis aldeias do povo huni kuin (kaxinawá) que estão realizando um esforço concentrado pela preservação e divulgação de sua cultura milenar, que tem nos pajés sua biblioteca maior. Uma pequena mostra do tamanho dessa cultura começou a ser dimensionada com oito meses de incessante trabalho de três comunidades para construir ali uma casa grande (kupixawa) com mais de 70 metros de comprimento. Nelas viviam em comum dezenas de famílias que ali aprendiam os costumes, cantorias, festas e rituais religiosos de seu povo.

Renascendo das cinzas

Os sobreviventes das "correrias", grandes matanças ocorridas durante trágico contato que matou centenas de aldeias e muitos milhares de índios de todas as etnias com o objetivo de "desocupar" a floresta, que seria transformada em seringais, tornaram-se escravos espalhados em colocações para cortar borracha. Isso fez com que grande parte dessa cultura ficasse fragmentada e se perdesse a ponto de muitos deixarem de falar a própria língua (hãtxa kuin). Isso justifica tamanho esforço para a construção do último kupixawa tradicional dos huni kuin, etnia que representa 65% dos mais de 16 mil índios remanescentes no Acre.

Mais que uma casa e um símbolo de resistência de um povo, aquele kupixawa transformou-se numa verdadeira universidade da floresta, onde 25 jovens estão dedicando suas vidas para aprender a arte e os mistérios de ser pajé. Tudo começou há muito tempo com Yuxibu Exeika, que roubou da jibóia o segredo do preparo e as cantorias utilizados no ritual em que bebiam o chá do nixi pã (daime).

Orientados pelos pajés e suas cantorias, é através dele queos índios têm sua escola espiritual onde aprendem e descobrem coisas e mistérios contidos no mundo físico e espiritual da floresta. "Fui escolhido pajé pelo meu povo no ano 2000. Até esse tempo era curador que usava rezas e ervas aprendidas dos brancos no seringal. Enquanto isso, estudava as cantorias, remédios e mistérios do meu povo. Para chegar a ser pajé não é fácil, exige muito esforço, é preciso ter coragem, dedicação e paciência, prestar atenção para encontrar os caminhos e remédios que curam o corpo e a alma", esclarece Augusto Manduca Mateus, 67, o pajé Inkã Muru que lidera a comunidade São Joaquim ensinando a arte da pajelança a 25 jovens, entre os quais três - Nexanê, Ayanê e Isacaá - são seus filhos.

Lembra os tempos que trabalhou como seringueiro e hoje, aposentado pelo Funrural, atende as necessidades de saúde e conforto espiritual de sua gente aproveitando as horas vagas para escrever as cantigas, rituais e histórias de seu povo a fim de perpetuá-los em livro, evitando que se percam. Sopro divino No kupixawa, agora com boa parte da palha gasta pelo tempo, já faz buracos por onde entra faceira a luz nas noites de luar, Inkã reúne todos os dias seus alunos para as aulas de pajelança.

Ouvir, contar e repetir incessantemente as muitas histórias que contam desde a origem deste povo, até os misteriosos caminhos espirituais a fim de aprender o verdadeiro segredo contido nas ervas que curam seus males, a universidade da floresta vai seguindo seu dia-a-dia. Mais que saber as cantorias, preparar remédios, fazer massagens e moxabustão (acupuntura quente), o grande segredo só se manifestará depois de anos, no verdadeiro pajé, quando ele finalmente aprender a tirar o mal de seus pacientes com um sopro. "Para ser pajé é preciso aprender muitas coisas e, depois disso, ainda vai continuar aprendendo mais a vida inteira.

O importante é que, para ficar pronto de verdade, são necessários 15, até 20 anos até ele saber como curar as pessoas com um sopro", garante Inkã. "É preciso aprender e respeitar as forças da natureza, isso fica mais fácil com a orientação de nixi pae, o nosso professor." Utilizando um exemplo prático para expressar o distanciamento da ciência "branca" com relação à natureza, contou a história de uma índia pertencente a outra comunidade que foi trazida para Rio Branco onde permaneceu internada por mais de três meses e, como os médicos não conseguiram resolver seus problemas, foi levada de volta para morrer na aldeia. Como última esperança chamaram Inkã: "A gente recebeu ela, então fizemos o ritual do nixi pã com nossas cantorias e com um sopro tiramos o mal que estava dentro dela. Agora ela está boa como se nunca tivesse ficado doente. É assim!"

Romaria à capital

Na cabeça um extenso cocar e nas mãos um abano, ambos feitos com penas de gavião real, símbolo de força e poder dos que vêem as coisas do Alto, Inkã pintou o rosto e liderou um grupo de índios huni kuin e contanawa, que na última segunda-feira, foram à residência oficial do governador e depois reuniram-se com o assessor do governo para assuntos indígenas, Francisco Pianco.

Eles foram pedir ajuda do governo para garantir a reforma do grande kupixawa e para a viagem de Inkã ao Rio de Janeiro onde está sendo fundada a sede de uma associação de pajés. "É muito bom e importante esta manifestação pela preservação cultural dos huini kuin através de seu kupixawa.

Mais importante ainda é preservar com ela as técnicas de construção deste povo e o governo vai apoiar este projeto", explicou Francisco Pianco aproveitando a reunião para marcar para o dia quatro de maio uma visita de sua equipe à aldeia, a fim de, conhecer o kupixawa e preparar o projeto para sua reforma. Para isso os recursos poderão ser liberados através da Associação dos Seringueiros Kaxinawás do Jordão ou mesmo pela prefeitura de Jordão que tem como vice o índio Siã Kaxinawá.



Juventude indígena

Haru Ximã, 25 anos, um filho morador da aldeia Sete Estrelas pertencente aos índios contanawa no município de Marechal Thaumaturgo é uma das principais lideranças do Movimento Jovem Indígena, para o qual governo e entidades até agora não tem qualquer programa específico. "Pajé Inkã é uma das principais lideranças dos povos indígenas do Acre. Sua importância maior está no conhecimento que tem de nossas tradições e nossa cultura que quase se perdeu, por isso nós os jovens indígenas apoiamos sua luta pela continuação da escola de pajés porque precisamos aprender muito com ele", então complementou: "Somos de povos diferentes e, o importante é justamente isso, a nossa
diversidade cultural, porque além de preservarmos o que é nosso ainda podemos aprender muito com os outros povos". Haru acaba de chegar de Brasília onde participou das festividades do dia do Índio presenteando o presidente Lula com um colar que identifica o povo contanawa.

Aproveitou para pedir dele mais atenção para com a regularização pendente de 16 terras indígenas acreanas, dentre as quais a de seu próprio povo cujas terras ainda nem foram demarcadas. "Com o ministro da cultura, Gilberto Gil, nós conseguimos a garantia de que pagará bolsas de primeiro emprego para os jovens índios que estiverem realizando atividades voltadas À preservação de nossa cultura porque ele entende que nós podemos oferecer muito ao Acre e ao Brasil. Por isso queremos criar aqui no Acre o nosso centro de cultura indígena mantendo sempre um bom relacionamento com a comunidade e o governo".


PIB:Acre

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