Demarcação de terras cria impasse em Aruanã

O Popular-Goiânia-GO - 01/09/2001
A Agência Goiana de Turismo (Agetur) quer que a Justiça reveja o processo de demarcação de terras indígenas no município de Aruanã, com o objetivo de colocar fim ao impasse criado por um decreto presidencial, qua concede aos carajás a posse de uma área de 1.366 hectares. Conforme o decreto, assinado em 12 de setembro do ano passado, as terras que abrangem a Praia da Farofa, os lotes onde estão construídas 15 residências ribeirinhas, o Porto Camaiurás, a Escola Estadual Dom Cândido Penso e a região em que seria erguida a futura estação de tratamento de esgoto da cidade pertencem aos índios e terão de ser desocupadas pelos atuais habitantes.
Essa demarcação poderia ser conduzida de forma tranqüila, mas não é isso o que está ocorrendo, alega o presidente da Agetur, Rodrigo Borges. Ele afirma ter estranhado o fato de a área homologada pelo decreto como reserva indígena abranger o lote do Colégio Estadual Dom Cândido Penso e a sede da construção da estação de tratamento de esgoto. Essas áreas sempre foram públicas. Se de repente elas passaram a pertencer aos índios, a Justiça vai ter de se pronunciar sobre a mudança, diz. Segundo Borges, o governo do Estado e a prefeitura de Aruanã já gastaram muito dinheiro com obras nesses terrenos e não podem perder seus investimentos.
Somente com a construção da estrutura subterrânea de canalização e com a escavação dos reservatórios da estação de tratamento de esgoto a prefeitura de Aruanã já gastou R$ 8 milhões. Essa verba é da União e do Estado e poderá ir pelo ralo, se a demarcação das áreas públicas não for revista, alerta a prefeita Ana Paula Gonzaga Souza. Ela cita, ainda, o investimento de R$ 43 mil, realizado pelo município, com recursos do governo federal, na construção do Porto Camaiurás. Temos R$ 350 mil disponíveis para essa obra. É outra verba que será desperdiçada, caso prevaleça a determinação de que a área é uma reserva indígena, afirma.
Liminar
Outro que não concorda com a demarcação homologada pelo decreto presidencial é o empresário Lunabel Vargas, de 43 anos. Ele é proprietário de uma casa em Aruanã há 17 anos e, há três, adquiriu outra na área ribeirinha, que, segundo o decreto, também pertenceria aos carajás. De acordo com Vargas, a desapropriação das terras não seria justa, porque o terreno dele, assim como os outros 14 da Avenida Caio Pacheco, foi adquirido legalmente da prefeitura e nunca pertenceu aos índios. Temos relatos de pioneiros da cidade afirmando que os carajás não se fixaram nesse local, atesta. Possuo a escritura do imóvel e não vou aceitar perder um bem que é meu, por direito, e que representa o investimento de uma vida, garante.
Contribuo para o turismo da cidade. Apenas em julho desse ano, aluguei 21 apartamentos nos hotéis e pousadas para hospedar meus convidados, conta. A proprietária da Pousada Acauã, Salma Godói, confirma a afirmação. Os donos dessas casas trazem dezenas de amigos para passar férias aqui, diz. Se eles saírem de Aruanã, nossa hotelaria também perderá muitos clientes, alega.
Para impedir que as obras do porto e da estação de tratamento de esgoto sejam embargadas, o Estado e a prefeitura de Aruanã conseguiram uma liminar na Justiça Federal, suspendendo o registro das terras em nome da Fundação Nacional do Índio (Funai), enquanto perdurar o litígio. Na demanda, os governos estadual e municipal também pedem que um novo laudo antropológico seja produzido, para embasar a demarcação das terras dos carajás. A Funai solicitou à União que a área fosse considerada reserva indígena com base num laudo elaborado pelo antropólogo e atual diretor do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da Universidade Católica de Goiás (IGPA-UCG), Manuel Ferreira Lima Filho.
A conclusão de Manuel Filho é contestada pela antropóloga Mari Baiocchi. Também realizei pesquisas nesse sentido e constatei que os carajás só chegaram a Aruanã no meio desse século, por causa de uma doação de terra, conta.
Segundo Mari Baiocchi, que baseou-se em relatos históricos e em depoimentos de pioneiros de Aruanã e dos índios, o advogado João Artiaga teria engravidado uma índia chamada Léia e resolveu doar a ela uma faixa de terra correspondente apenas à área onde hoje está situada a aldeia dos carajás – um espaço de cerca de 15 mil metros quadrados. É muito justo que os índios tenham seu pedaço de terra para plantar e morar, mas é preciso que eles ocupem apenas o terreno que realmente lhes pertence, diz. No meio da polêmica, o líder da aldeia, Raul Hawakati, pede paz. Não estamos buscando confusão. Só queremos o que nos é de direito, alega.
Procuradoria da República defende laudo de antropólogo
A procuradora da República, Rosângela Pofahl, defende o laudo do antropólogo Manuel Ferreira Lima Filho e diz que o processo de demarcação de terras é irreversível. O laudo é sério e a demarcação não traz nulidades, afirma. Os interessados nas terras tiveram cinco anos para tentar impugnar a medida, mas não se manifestaram. Agora que o prazo se expirou, não há mais o que fazer, alega a procuradora.
O empresário Lunabel Vargas argumenta que não tomou medidas judiciais antes porque nunca teve dúvidas quanto à posse da área onde hoje está sua casa. Comprei o imóvel de um antigo morador. Ele adquiriu o terreno da prefeitura, na década de 70, assim como todos os outros moradores da Avenida Caio Pacheco. Se o município nos declarou que a área pertencia a ele, e o cartório fez o registro da escritura normalmente, como a posse pode ser dos índios?, questiona. Temos provas de que a prefeitura não fez nada ilegal e vamos contestar essa demarcação na Justiça, argumenta. Ele conta que os empresários com casas no local e a prefeitura chegaram a propor a troca da área de demarcação de 11 hectares por outra, de 300 alqueires, na Fazenda Boca da Mata, mas afirma que a Funai não concordou com a troca. De acordo com o administrador-executivo regional, Edson Beiriz, a permuta não ocorreu porque não é autorizada pela lei. A legislação é clara ao dizer que a terra indígena não pode ser vendida, alugada ou trocada, explica. Todas as raízes desses povos estão na terra. Não é apenas uma questão de conveniência, mas de direito e de cultura, diz.
Dez proprietários de residências localizadas às margens do Rio Araguaia, em Aruanã, foram beneficiados com liminar concedida pelo juiz Carlos Humberto de Souza, da 3ª Vara Federal em Goiás. O juiz disse ter descoberto uma série de irregularidades nos processos administrativos da Funai que culminaram com a demarcação das terras indígenas na cidade. A liminar garante todos os direitos de propriedade dos imóveis e assegura aos seus donos o direito de uso desses imóveis. A decisão determina que a Funai e a União não modifiquem o estado das coisas.
O juiz Carlos Humberto de Souza ressalta que o absurdo emerge também no fato de que aos índios, se persistir essa situação, estão sendo dadas casas de veraneio, mansões luxuosas, ginásio estadual e praça pública, o que certamente não condiz com a cultura indígena.
Tensão pode prejudicar turismo
Em Aruanã, muitos moradores se dizem apreensivos em relação à questão da demarcação e reclamam da falta de informações. A gente nunca sabe direito o que está acontecendo, em que fase está a pendência judicial. É complicado, queixa-se o comerciante Elias Mercês. Segundo ele, os índios são bem-vindos na cidade e ajudam a atrair mais turistas, pois muitas pessoas ficam curiosas para conhecer a aldeia e a cultura dos carajás. O problema é que não sabemos quem está certo nessa história e isso vai gerando um clima de animosidade que não é bom, diz.
De acordo com o presidente da Agetur, Rodrigo Borges, quanto mais tempo o impasse sobre a questão da posse da área durar, mais prejuízos Aruanã terá. O conflito entre os índios e a população tende a aumentar, e o turista sente esse mal-estar, explica. Segundo ele, o Estado quer que a Justiça se pronuncie o mais rápido possível sobre a demarcação, para que o potencial turístico do município – que atraiu 208 mil pessoas apenas em julho e é considerado um dos locais mais procurados pelos visitantes e pela população de Goiás – não seja prejudicado.
PIB:Goiás/Maranhão/Tocantins

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