Conselho Indigenista Missionário denuncia 'banho de agrotóxico' em aldeia de MS

Campo Grande News - campograndenews.com.br - 05/02/2024
Segundo entidade, povos originários de Caarapó estão sem proteção do Estado em 'ataque químico'
Por Gabriela Couto | 05/02/2024 18:34

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) Regional Mato Grosso do Sul denunciou nesta segunda-feira (5) o constante ataque químico na TI (Terra Indígena) Guyraroka, localizada em Caarapó, a 274 km de Campo grande.

De acordo as lideranças indígenas, desde 2018 fazendeiros ao entorno do território estão contaminando a área com agrotóxicos. A aldeia tem pouco mais de 50 hectares e fica, literalmente, cercada por monocultura.

Para o Cimi, o caso é um "descuido intencional e deliberado que denota o grau de sadismo e violência dos ataques químicos empreendidos contra os indígenas". Alegando omissão do Estado, o Conselho recorreu à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) em 2019.

Na ocasião, a comissão emitiu medidas cautelares para proteger a comunidade. "Passados todos esses anos desde que a cautelar [da CIDH] foi concedida, a comunidade não viu sequer um resultado", lamenta representante do Cimi, Flávio Vicente Machado.

Durante a aplicação do veneno na fazenda, forma-se uma nuvem branca no ar, que é levada pelos ventos e pelas chuvas.

O veneno não só contamina os indígenas de forma direta, no contato com a pele e vias respiratórias, como por meio da água e alimentos também contaminados com a pulverização.

O desrespeito a qualquer tipo de protocolo de segurança determinado por órgãos regulatórios faz com que os indígenas entendam a pulverização de agrotóxicos como uma forma de expulsão e extermínio de seu povo.

É uma forma de dizer 'se não quiserem morrer, vão embora' e 'se quiserem viver e existir, morram aí'", lamenta a liderança do TI Guyraroka, Erileide Guarani Kaiowá.

A permanente exposição de membros da comunidade Guyraroka aos agrotóxicos preocupa Erileide, que percebe uma piora na gravidade e na quantidade de casos de intoxicação por agrotóxicos. "As consequências, as sequelas só estão aumentando, só acelerando", denuncia.

Pesquisa - Pesquisadores da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), da Embrapa Pantanal, da FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz) Mato Grosso do Sul e do Fonasc.CBH (Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas) fizeram estudos no local.

No final de 2021, os pesquisadores examinaram ao menos três tipos de água que abastecem a comunidade da TI Guyraroka. Em todas elas, ou seja, nas águas de rios e nascentes, de torneira e poços artesianos, bem como da água da chuva, foram encontradas taxas importantes de agrotóxicos.

A pesquisa, ainda inédita e em processo de publicação, acompanha todo o processo produtivo da soja, realizando coletas de água em diferentes estágios vegetativos do grão. Isto é, desde o plantio, passando pelo desenvolvimento e colheita da soja até o vazio sanitário, que é quando supostamente o sojicultor deveria manter a terra sem cultivo.

"Há uma ideia de que no vazio sanitário se usa menos agrotóxico, o que é uma grande mentira porque, obviamente, o agronegócio não fica dois, três, quatro meses com a terra parada. A gente tem produção nesse espaço [de tempo do vazio sanitário] e essa produção também usa agrotóxico", explica Fernanda Savicki de Almeida, pesquisadora em saúde pública da Fiocruz-MS, que integra o grupo de pesquisadores supracitado.

No diagnóstico das águas do território Guyraroka, "em alguns anos, a gente encontrou mais agrotóxicos no vazio sanitário do que fora dele", afirma a pesquisadora.

A pesquisa, que encerrou um primeiro ciclo de análises no final do ano passado, constatou ainda em uma mesma amostragem de água a presença de uma variedade de agrotóxicos, o que para a pesquisadora da Fiocruz denota um alto risco à saúde humana e ambiental.

"Mesmo que em uma quantidade muito pequena, mesmo que seja um traço de agrotóxico, a mistura, a calda produzida por dois ou mais agrotóxicos, tende a ser muito mais tóxica do que os dois agrotóxicos em separado", explica Fernanda.

Houve casos em que a pesquisa desenvolvida pela parceria de instituições sul-mato-grossenses encontrou 11 agrotóxicos em uma mesma porção de água em Guyraroka.

"É uma quantidade absurda", considera a pesquisadora. O estudo encontrou 20 tipos diferentes de agrotóxicos nas águas da comunidade, a maioria deles em combinação com outros. "Foram 32 amostras no total. Em somente duas [amostras] encontramos um agrotóxico, em todas as outras ao menos dois agrotóxicos foram encontrados", informou a pesquisadora.

"As sinergias [entre os agrotóxicos em combinação] causam problemas muito mais graves. Então, normalmente, nessas áreas [onde se coletou a água] que são sinérgicas, certamente, a gente tem um potencial tóxico muito maior", explicou a pesquisadora da Fiocruz.

A pesquisadora chama a atenção ainda para a necessidade de se manter os limites de distanciamento exigidos para aplicação de agrotóxicos. Segundo Fernanda, "as partículas dos agrotóxicos podem percorrer mais de 10, 15, 20 quilômetros, dependendo do tipo de agrotóxico e a partícula que é aplicada, seja [por via] terrestre ou aérea", o que coloca ainda mais vulnerável a comunidade Guarani e Kaiowá, dada a proximidade das plantações e a forma deliberada com a qual são aplicados os venenos na propriedade Remanso II.

"Essas pessoas [de Guyraroka] estão sendo expostas de uma maneira radical aos agrotóxicos", considera a pesquisadora, que compreende os agrotóxicos como uma "violência velada" contra os Guarani e Kaiowá de Guyraroka.

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PIB:Mato Grosso do Sul

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