Vala comum com possíveis restos mortais de indígenas no período da ditadura militar é descoberta em MT

g1 MT - https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2023/08/11/ - 11/08/2023
Vala comum com possíveis restos mortais de indígenas no período da ditadura militar é descoberta em MT
A vala foi escavada para enterrar as dezenas de indígenas que morriam por causa de sarampo, segundo o resultado preliminar de uma pesquisa feita por um grupo de pesquisadores de instituições nacionais e internacionais.

Por Rogério Júnior, g1 MT
11/08/2023 16h27 Atualizado há 2 dias

Uma vala comum foi descoberta na Terra Indígena São Marcos, em Barra do Garças, a 516 km de Cuiabá, por antropólogos, arqueólogos, historiadores e linguistas. O resultado preliminar indica a possível presença de restos mortais dos Xavantes, que teriam morrido por causa da epidemia de sarampo na época da ditadura militar, entre 1964 e 1985.
Em entrevista ao g1, o professor de antropologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Paulo Delgado, contou que os dados coletados em campo estão em análise e poderão corroborar uma reivindição de reparação aos Xavantes.
"Os relatos dos anciões mostram que, inicialmente, começava a morrer algumas pessoas que foram enterradas de forma individual e conforme os rituais. Depois, como morriam mais de 10 pessoas por dia, eles eram carregados em carrocerias puxadas por um trator para serem colocadas na vala comum", afirmou.
A pesquisa teve início em 2019, antes da pandemia de Covid-19, e envolveu pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Polish Academy of Science, na Polônia, e da Universidade de Winnipeg, no Canadá e UFMT.
A Terra Indígena São Marcos reúne 2.848 pessoas em uma área de aproximadamente 188 mil hectares, segundo dados do Instituto Socioambiental.

Delgado contou que, a princípio, o grupo de pesquisadores recebeu uma série de relatos sobre a epidemia de sarampo ter dizimado os Xavantes em Mato Grosso e apontou uma relação com a ditadura militar.
"Sabemos que a ditadura vitimou dezenas de políticos, jornalistas e há uma grande quantidade de pessoas desaparecidas, e com os povos indígenas não foi diferente. Morreram mais indígenas do que não-indígenas", disse.
No primeiro momento da pesquisa, o grupo foi até o território indígena para verificar os relatos dos anciões, que presenciaram a escavação das valas e toda a tragédia da epidemia.

Na segunda fase, o estudo localizou a vala na Terra Indígena São Marcos através de um georadar, onde se iniciaram as coletas das amostras que agora são analisadas.
"A mortandade de Xavantes e outras etnias é decorrida do período da ditadura, onde o governo federal incentivou grandes empreendimentos que impactaram dezenas de povos indígenas. Os Xavantes são os mais graves, porque eles foram expropriados do território para implantação de uma grande agropecuária e esse empreendimento fez com que eles fossem deportados de seu território tradicional e foram viver junto com os de São Marcos", contou.
Segundo Delgado, a mudança de vida gerada em torno dos Xavantes com outros povos impactou na organização social e na própria convivência, afinal eles eram hostis entre si antes do contato com não-indígenas.
"Por meio desse estudo, os Xavantes podem reivindicar uma reparação por conta dessa violência histórica que eles foram acometidos", disse.

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