"Será um longo caminho até cicatrizar as chagas do garimpo nas terras yanomami", diz ambientalista

RFI - https://www.rfi.fr/br/podcasts/linha-direta/20230125- - 25/01/2023
"Será um longo caminho até cicatrizar as chagas do garimpo nas terras yanomami", diz ambientalista

Por: Raquel Miura
Publicado em: 25/01/2023 - 10:29

Ambientalistas e líderes indígenas apontam responsabilidade do governo Bolsonaro na tragédia yanomami e querem levar o ex-presidente ao Tribunal de Haia. Na ação mais urgente, sociedade se mobiliza para garantir água e alimento às comunidades
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

As cenas chocantes de indígenas só pele e osso, que automaticamente remetem a campos de concentração nazista, têm gerado uma cadeia de ajuda para levar alimento para as comunidades yanomanis. A Força Aérea passou a lançar cestas básicas e remédios para atender famílias e municiar agentes de saúde que começam a chegar a áreas mais afastadas.

Um dos itens cruciais é água potável, porque em muitos locais os rios estão cheios de mercúrio, usado na separação do ouro com efeito devastador sobre o meio ambiente e as pessoas, já que mata a plantação, afugenta animais e destrói a saúde humana. Isso mostra o tamanho do desafio daqui para frente, disse à RFI Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental, que já presidiu a FUNAI:

"É preciso tirar o garimpo e, a partir daí, iniciar um trabalho lento, permanente e consistente de recuperação dessas comunidades violentadas. Certamente elas vão ter que procurar água limpa mais para o interior do território. Será preciso refazer roças, para que no tempo certo possam voltar a colher seus próprios alimentos. Significa que é um longo caminho para cicatrizar essa terrível chaga do garimpo predatório no território indígena yanomami."

Muitos indígenas estavam tão debilitados que precisaram ser internados em hospitais. Uma mulher yanomami em estado severo de desnutrição, cuja imagem virou símbolo dessa tragédia indígena, acabou morrendo semana passada. Crianças com peso de bebês também estamparam capas de jornais e sites mundo afora, levando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a visitar a região. Informações de lideranças locais são de que pelo menos 570 meninas e meninos yanomami morreram nos últimos quatro anos por complicações que poderiam ter sido evitados se houvesse atendimento médico e melhores condições nutricionais.

"O que está sendo feito de imediato é uma ação mais emergencial para levar alimentos a pelo menos uma parte das comunidades que estão nessa situação de fome e de miséria. E também profissionais de saúde. A próxima etapa é a retirada desses garimpeiros e o rompimento dessa rede de ações predatórias que envolvem políticos e empresários de Roraima e de outros lugares que são os que verdadeiramente lucram com tudo isso", afirmou o ambientalista Márcio Santilli.

Apoio ao garimpo

O governo Bolsonaro ignorou dezenas de pedidos de ajuda dos próprios yanomani e mentiu a vários organismos internacionais ao responder que estava tomando providências diante da crise sanitária indígena provocada pela invasão da área demarcada por atividades ilegais. O próprio presidente deu várias declarações em favor do garimpo na Amazônia, inclusive em áreas indígenas. Numa ocasião, afirmou: "Por mim, eu abro o garimpo. Tem um projeto para abrir o garimpo em terra indígena. Um projeto que os índios querem".

Um dos representantes yanonami, Dário Kopenawa, chegou a pedir pessoalmente ao então vice-presidente Hamilton Mourão, ações para tirar o garimpo das terras indígenas, mas não foi atendido. Ele diz que as doenças levadas pelos exploradores e a contaminação da água destruíram a cadeia produtiva das comunidades.

"Já vínhamos alertando há algum tempo. Não é de hoje que a gente está enfrentando isso. O principal vetor é a atividade de garimpo ilegal. Hoje são mais de vinte mil garimpos ilegais na terra yanomami", afirmou Kopenawa. "Os yanomami estão doentes de malária, de gripe, de Covid-19. Estão tomando água suja, contaminada por mercúrio. Estão abandonados sem assistência, porque a presença de garimpo é muito forte. Por isso os nossos parentes, irmãos yanomami, crianças estão desnutridos. Os pais e as mães estão todos doentes e não conseguem cuidar de seus filhos", descreveu o representante indígena.

Política genocida

A demarcação de terras, como a yanomami, foi um março na luta pela sobrevivência dos povos originários, mas a questão continuou sendo um desafio justamente devido a interesses econômicos na floresta. A avaliação de especialistas, ONGs e líderes indígenas é que tudo piorou muito com o governo Bolsonaro.

O indigenista Bruno Pereira, assassinado ano passado, coordenou ações que retiraram garimpeiros das terras yanomami, mas depois foi afastado do posto no primeiro ano do governo Bolsonaro, que autorizou pesquisas de exploração mineral em áreas bem próximas à reserva e é acusado de ter estimulado atividade ilegal lá dentro.

Além disso, a estrutura de atendimento médico aos índios foi sucateada e nem remédios chegavam aos postos locais e às aldeias. Por tudo isso, entidades trabalham para reunir material e substanciar uma denúncia contra o ex-presidente ao Tribunal Internacional de Haia. Caíque Souza, do Conselho Indígena de Roraima, disse à RFI que houve uma política de Estado com vistas a acabar com um povo, e quer punição:

"A gente considera o governo Bolsonaro um dos grandes responsáveis por essa política de genocídio. Foi una política voltada para o genocídio dos povos indígenas yanomami. E é preciso haver punição. A gente vai levar até a última instância para apurar os culpados. E também queremos apurar para onde foram os remédios que viriam paras as terras indígenas, aonde foram os recursos, porque as pessoas, as crianças e idosos dentro da terra indígena estão morrendo."

Outras comunidades sob risco

E as graves consequências do garimpo podem atingir outras terras, conforme alertou a Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em julho do ano passado, cobrou uma resposta do Brasil para garantir a vida, a integridade e a saúde das comunidades yanomami, ye'kwana e munduruku.

"Além dos yanomami e dos ye'kwana, nós temos situações graves de invasão de terras indígenas por garimpeiros tanto na terra indígena caiapó, como na terra indígena munduruku. E a presença de grupos menores em várias outras terras indígenas e unidades de conservação ambiental da Amazônia brasileira," teme Márcio Santilli.

"Então, na verdade é um problema maior, que transcende a questão de Roraima e do território indígena yanoamami, e abarca toda uma política deliberada de ocupação predatória de ocupação da Amazônia nesses últimos quatro anos do governo Bolsonaro."

Como ajudar

Associações que representam povos indígenas, em especial os yanomami, estão arrecadando doações para garantir água, alimento e remédios às comunidades locais.

Apoiem meu povo Yanomami urgente! pic.twitter.com/bIvFkxmgpy
- Dário Kopenawa Yanomami (@Dario_Kopenawa) January 24, 2023

Entidades não governamentais como a Ação da Cidadania e a Central Única das Favelas (Cufa) também lançaram campanha de arrecadação de dinheiro e mantimentos para ajudar a aliviar a situação dramática dos yanomami.

As doações urgente na Terra Indígena Yanomami, situação do meu povo está muito grave, precisamos apoio urgente! pic.twitter.com/YfGQToAV49
- Dário Kopenawa Yanomami (@Dario_Kopenawa) January 24, 2023

Quem quiser ajudar pode procurar um dos postos ou então fazer uma transferência. No caso da Cufa, o depósito pode ser feito pelo pix doacoes@cufa.org.br ou pela vakinha: https://www.vakinha.com.br/3412341. Há mais informações da mobilização da ONG em prol dos indígenas no link https://www.cufa.org.br/cufa-e-frente-nacional-antirracista-lancam-campanha-para-ajudar-os-yanomami-e-regiao/.

Na Ação da Cidadania, o interessado pode ajudar pelo PIX sos@acaodacidadania.org.br. As informações estão no link https://www.acaodacidadania.org.br/sos-yanomami. Pela capilaridade e pelo engajamento já consolidado das duas organizações, elas conseguiram enviar os primeiros caminhões com mantimentos para Roraima.

https://www.rfi.fr/br/podcasts/linha-direta/20230125-ser%C3%A1-um-longo-caminho-at%C3%A9-cicatrizar-as-chagas-do-garimpo-nas-terras-yanomami
PIB:Roraima/Mata

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