Nação kadiwéu em luto

Correio do Estado - https://correiodoestado.com.br/colunistas - 20/09/2022
Nação kadiwéu em luto
Isso ocorreu depois da destacada atuação dos índios, que eram exímios cavaleiros, na Guerra do Paraguai

Da Redação
20/09/2022 07:30

Bosco Martins - Jornalista e escritor

A nação kadiwéu está em luto. Quase centenário, o grande morubixaba, o francês e irmão Alain Charles Edouard Moreau morreu em Paris, distante quilômetros das terras que tanto amou.

Segundo a filha, sua morte aconteceu no sábado (17), após um retorno às origens da família Moreau, na região dos Pirineus.

Em seu retorno a Paris, foi com familiares a um concerto e, depois, a uma missa. Na saída da missa, em frente à igreja Abadia de Saint-Germain-des-Prés, sentiu uma fraqueza e caiu lentamente no chão, desfalecendo para sempre, sem dor ou susto.

O doutor Alain Moreau, como era conhecido, partiu depois de mais de 90 anos. Não mais frequentava a Serra da Bodoquena, como de costume, e não mais visitava e apoiava estritamente os kadiwéus, habitantes originais daquelas belas paragens.

Foi ele, advogado de formação e controverso para alguns, que, com mão de ferro, fez uma parceria com os indígenas, onde sua fazenda, com magnífico território, faz divisa, criando gados e transferido boa parte deles para os vizinhos kadiwéus.

Foi ele quem fortaleceu e apoiou a Associação de Lideranças Kadiwéus, tendo por muito tempo os caciques Ambrósio e Martins à frente! E como seu legado maior financiou a demarcação total da Reserva Kadiwéus.

Ele, bem como outro grande francês, o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que frequentou, estudou e documentou a vida da tribo kadiwéu, jamais será esquecido. Em relação a Claude, isso ocorreu em 1935, quando Lévi-Strauss tinha 37 anos.

Em "Tristes Trópicos" (1955), descreveu os primeiros três dias tediosos que passou observando o cerrado, em uma viagem de trem que vinha de Bauru (SP). Claude e Alain têm muita coisa em comum, e os dois têm muito a ver com essa tribo guerreira. Seus legados foram deixados para a grande nação dos índios.

Alain também escreveu um capítulo do livro do Instituto Socioambiental (ISA) e que narra sua parceria de criação de gados com os kadiwéus.

Aparentados dos índios guaicurus, os kadiwéu receberam sua reserva, cuja demarcação foi feita pelo marechal Rondon, em 1899, por determinação do imperador Pedro 2o (1825-1891). Isso ocorreu depois da destacada atuação dos índios, que eram exímios cavaleiros, na Guerra do Paraguai.

E isso muitos sabem, o que desconhecem é o último aceno dele. Seu último gesto de amizade e amor a essa nação foi promover a demarcação de suas terras.

A tão ansiada, esperada e desejada demarcação, pois, apesar de doada pelo governo, essa área de 530 mil hectares, localizada em uma das regiões mais lindas do planeta, tinha de ser definitivamente regularizada.

E só agora, graças a Alain, está sendo regularizada para aqueles que realmente a amam e cuidam. Por meio do agrimensor e seu fiel escudeiro, Jair Terra, foram fincados os marcos e demarcada toda a área do território indígena na Serra da Bodoquena.

Informação desconhecida ainda para muitos, pois Alain, que sempre foi um homem discreto e gentil, nunca gostou de holofotes.

Quando o corpo do senador e antropólogo Darcy Ribeiro (1922-97) foi velado, no dia 18 de fevereiro, alguns índios kadiwéus, os mais antigos habitantes do Pantanal, colocaram sobre seu caixão um vaso em miniatura.

Com esse ato, os kadiwéus simbolizam o desejo de que nada faltasse ao antropólogo na nova vida que viria após a sua morte. Tenho certeza de que o coração dessa nação agradecida coloca agora o vaso em miniatura, em um simbólico e breve adeus a Alain Moreau!

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PIB:Mato Grosso do Sul

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