O papel da Funai, de sua criação até o governo Bolsonaro

Guia do Estudante - https://guiadoestudante.abril.com.br/ - 26/07/2022
O papel da Funai, de sua criação até o governo Bolsonaro
Entenda por que nos últimos anos a conduta do órgão vem sendo apontada como "anti-índigena"

Luccas Diaz

26/07/2022

Em junho deste ano, o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, na região do Vale do Javari (AM), reacendeu a discussão sobre a gestão das políticas indigenistas adotadas no Brasil. Em nota enviada à BBC, o Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) lamentou a morte dos dois e cobrou as autoridades brasileiras.

A organização pede que o governo brasileiro "tome medidas para prevenir e proteger territórios indígenas de ações ilegais, por meio do reforço de órgãos governamentais responsáveis pela proteção dos povos indígenas e do meio ambiente: Funai e Ibama".

Bruno Pereira trabalhou na Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai até outubro de 2019, quando foi exonerado do cargo depois de liderar uma operação que expulsou garimpeiros da terra indígena dos Yanomami, em Roraima.

Nos últimos três anos, o órgão, que é o responsável pela proteção e desenvolvimento dos povos originários no Brasil, tem sido criticado pela postura apontada por especialistas como "anti-indígena". Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE contextualiza o que é, quais são as funções e como foi criada a Funai, além de apresentar dados sobre a gestão do órgão durante o governo Bolsonaro.

O que é a Funai

A Fundação Nacional do Índio é o órgão indigenista oficial do Governo Federal brasileiro. Vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), é o responsável por garantir, promover e desenvolver os direitos dos povos indígenas do Brasil.

A sua atuação é difundida em diversas vertentes. Em linhas gerais, pode-se afirmar que o órgão tem o objetivo de preservar de modo sustentável a vida dos povos originários, incluindo suas terras, costumes, línguas e tradições.

O trabalho da Funai inclui ainda estudos de reconhecimento, delimitação e demarcação de terras indígenas, além de ações de conservação e de controle de danos em possíveis impactos resultantes de interferências externas.

Compete ao órgão a garantia e o monitoramento de políticas que promovam uma ligação saudável entre os povos indígenas e as instituições federais, incluindo a proteção dos povos que vivem de maneira isolada, como os localizados na região do Vale do Javari, na Amazônia.

A sede da Funai fica em Brasília, no Distrito Federal, mas há unidades e bases de proteção espalhadas por todo o país, sendo a maioria em regiões de áreas de contato com povos indígenas. Alguns exemplos são a Coordenação Regional do Xingu (MT), do Alto Solimões (AM), de Guarapuava (PR) e Guajará-Mirim (RO).

Em que contexto a Funai foi criada

A Funai foi criada ainda durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), por meio da Lei no 5.371, em dezembro de 1967, com a função de substituir o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Este, em vigor desde 1910 foi extinto naquele ano pelo presidente Costa e Silva, a partir de uma série de escândalos de corrupção e crimes contra os próprios povos indígenas.

No contexto de criação do SPI, é importante ressaltar que o órgão buscava preencher uma lacuna na política brasileira em relação aos povos indígenas - considerando que a república havia sido declarada há apenas 21 anos, em 1889.

Até a sua criação, as únicas políticas indigenistas desenvolvidas no país eram feitas pela Igreja Católica, quase que exclusivamente por missionários ainda ancorados na ideia de catequização dos povos originários. A essa altura, a separação entre Igreja e Estado já havia sido oficializada na instauração da República, mas a mentalidade cristã perpetuou. O teor evolucionista difundido pelo SPI se baseava na concepção de que não se "era" indígena, se "estava" indígena.

A visão autoritária, tida como paternalista por alguns estudiosos, pautou a existência dos povos indígenas como um obstáculo ao desenvolvimento do Brasil moderno, defendendo que esses indivíduos deveriam ser integrados à sociedade e contribuir para a economia nacional.

"Tribos foram dizimadas não só pelas balas assassinas, mas com a conivência, embora indireta, do SPI, que as chamava à 'civilização' e as 'atraía' sem ter meios para atender os primeiros embates, sempre danosos para a comunidade indígena", escreveu José Maria da Gama Malcher, ex-diretor do SPI entre 1951 e 1955, no dossiê "Por que fracassa a proteção aos índios" de 1963.

A criação da Funai, em 1967, dessa forma, foi concebida como parte integrante do plano de reformar a estrutura administrativa do Brasil adotada pelo regime militar - para promover, sobretudo, o desenvolvimento político e econômico do interior do país.

O interesse militar no potencial lucrativo da Amazônia colocou a política indigenista como intermediária para a construção de estradas, hidrelétricas e para a exploração dos recursos naturais - motivações de cunho político e econômico.

A Funai do governo Bolsonaro

"Funai se transformou em Fundação Anti-indígena", alerta o dossiê "Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro". O documento, publicado em junho deste ano pela INA (Indigenistas Associados) e pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) coleta dados da política adotada pelo presidente Jair Bolsonaro desde os meses iniciais de sua campanha, em 2018, até o primeiro semestre de 2022.

Os órgãos classificam a atual gestão como "anti-indigenista", marcada pela presença de militares em cargos de chefia, cortes no orçamento e desassistência geral aos povos originários. O documento relembra declarações polêmicas de Bolsonaro em relação à fundação, como quando, ainda em campanha eleitoral, o presidente afirmou que iria dar "uma foiçada no pescoço" da Funai.

De acordo com o relatório, das 39 coordenações regionais do órgão, apenas duas são lideradas por indígenas. O atual presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier foi nomeado por Bolsonaro em julho de 2019.

Sua chegada ao órgão ocorreu pouco tempo depois da medida provisória que tentava submeter a função de demarcação das terras indígenas da Funai ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ter sido barrada duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Marcelo Xavier, ex-delegado da Polícia Federal no Mato Grosso, não tem experiência prévia com políticas indigenistas. Sua proximidade com a bancada ruralista é apontada pelo dossiê como um fator fundamental para entender sua conduta na fundação.

Em uma audiência com produtores rurais para discutir questões agrárias do Mato Grosso do Sul, afirmou atender os interesses do grupo: "Eu estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora, justamente para atender aos senhores. Então, eu quero trazer aqui o recado a todos vocês que confiem no presidente da Funai."

Ainda em campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro havia dito que não demarcaria "nem mais um centímetro" de terra indígena. A fala do presidente se concretizou: desde 2019, nenhuma terra indígena foi delimitada com o intuito de oficializar e garantir a dimensão do terreno - ainda que a Constituição de 1988 e o Estatuto do Índio prevejam este direito. É a primeira vez que isso ocorre durante todo um mandato desde a redemocratização.

Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), apenas 13,8% de todas as terras do Brasil são reservadas aos povos indígenas. Dentre desse perímetro, se encontram 725 terras indígenas, em diferentes estágios de demarcação.

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