"O que existe hoje é um sistema de crime perfeito"

Valor Econômico, Especial, p. A16. - 28/06/2022
"O que existe hoje é um sistema de crime perfeito"
Entre as terras indígenas que têm garimpos ilegais de ouro estão a dos índios ianomâmi, munduruku e caiapó

Marcos de Moura e Souza

28/06/2022

A posição adotada pelas empresas suíças que fazem refino de ouro merece elogios e pode inspirar empresas de outros países a também adotarem medidas mais restritivas em relação ao ouro do Brasil. O problema, no entanto, é saber como, na prática, essas empresas terão certeza que não estão comprando ouro que foi extraído ilegalmente de terras indígenas ou de unidades de conservação do Brasil. Foi assim que reagiu ontem Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas, organização que tem produzido estudos sobre a extração ilegal de ouro no Brasil ao anúncio dos suíços.

"A pergunta que fica, concretamente, é quais são os passos que vão demonstrar para o consumidor, para o cidadão suíço ou para os consumidores brasileiros que este ouro não veio de fato de terra indígena? Porque hoje está tudo misturado", diz.

A maior parte do extraído no Brasil é feito por mineradoras, as maiores delas operando em Minas Gerais, Bahia, Maranhão e Amapá. A outra forma de extração se dá nos garimpos - que exploram camadas do solo mais superficiais que as mineradoras. O garimpo de ouro é uma atividade legalizada no Brasil. Mas para isso é necessário autorização federal, as permissões de lavra garimpeira (PLGs).

O que há muitos anos desafia autoridades é como garantir que o ouro extraído ilegalmente de terras indígenas ou de unidades de conservação não seja "esquentado" como tendo sido extraído de áreas cobertas por PLGs.

Entre as terras indígenas que têm garimpos ilegais de ouro -- parte suspeito de ser esquentado -- estão a terra dos índios ianomâmi, que no Brasil se situa entre os Estados do Amazonas e Roraima; as terras dos munduruku, no Pará; e dos caiapó, no Mato Grosso.

Além do desafio de combater a invasão de terras indígenas por garimpeiros, outro obstáculo no combate ao ouro ilegal, que é como evitar que empresas regularmente autorizadas a comprar ouro de garimpos legalizados não comprem - sabendo ou não - nos mesmos lotes ouro foi extraído de áreas proibidas.

As empresas autorizadas pelo Banco Central a comprarem ouro de garimpos legalizados - e posteriormente abastecer legalmente o mercado - são as classificadas como DTVMs. Mas a crítica frequente é que há pouco controle sobre a origem real do ouro adquirido por elas na Amazônia.

"O que existe atualmente é um sistema de crime perfeito. As pessoas entram nas terras indígenas, entram nas unidades de conservação, tiram ouro lá de dentro e fazem uma lavagem dizendo que aquilo saiu de uma autorização legalmente", diz Leitão, lembrando que as regras em vigor embutem o pressuposto da boa-fé nesse comércio inicial, marcado por um ambiente de pouco controle. "As notas fiscais são feitas ainda em papel", acrescenta Leitão. "Se a gente não mudar essa estrutura que hoje permite às DTVMs e às PLGs operarem da maneira operarem a gente não vai mudar essa situação."

O BC, por meio de sua assessoria, afirmou ao Valor que fiscaliza as instituições por ele autorizadas a funcionar, dentre elas as DTVMs, quanto ao cumprimento das regras legais ou infralegais. "No caso do mercado de ouro, essas competências dizem respeito à fiscalização das atividades e das operações com o ouro ativo financeiro ou instrumento cambial passíveis de ser enquadradas como privativas de instituições financeiras. Nesse âmbito, não se encontra a fiscalização ou supervisão do comércio de ouro nos locais com permissão de garimpo. Somente após a aquisição do ouro pela instituição financeira, com a finalidade de torná-lo ativo financeiro ou instrumento cambial, e sua inserção nos mercados financeiro ou cambial, é que o metal adentra a competência do Banco Central."

Valor Econômico, 28/06/2022, Especial, p. A16

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/06/28/o-que-existe-hoje-e-um-sistema-de-crime-perfeito.ghtml

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