Sumiço de caçadores faz população se revoltar contra os Parakanã

Amazônia Real - https://amazoniareal.com.br/parakana-ameacados/ - 27/04/2022
Sumiço de caçadores faz população se revoltar contra os Parakanã

Amazonia Real Por Cicero Pedrosa Neto
Publicado em: 27/04/2022

Belém (PA) - Sob a acusação de terem sequestrado e mantido três caçadores em cárcere privado, os Parakanã explicam o que pode ter acontecido: "Os caçadores entraram nas nossas terras e se perderam. Nós não sabemos para onde eles foram, onde eles entraram". À Amazônia Real, Tarana Parakanã garante que seu povo não só é inocente, como ainda tentou ajudar os familiares dos invasores que entraram em suas terras para caçar e não foram mais vistos desde o último domingo (24).

Os caçadores Cosmo Ribeiro de Sousa, José Luís da Silva Teixeira e Willian Santos Câmara invadiram a Terra Indígena Parakanã, embora a caça e a entrada de pessoas estranhas aos grupos indígenas sejam proibidas pela Lei 6.001/73. A TI é composta por 24 aldeias e está localizada próxima do município de Novo Repartimento, no sudeste paraense, e a cerca de 170 quilômetros de Marabá, às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230).

Após o desaparecimento dos três caçadores, que vivem em propriedades rurais nas imediações da TI Parakanã (autodenominados Awaeté), os familiares e a população local passaram a acusar, presencialmente e pelas redes sociais, os indígenas pelo desaparecimento. A Amazônia Real teve acesso a um áudio anônimo em que um homem promete invadir a aldeia e assassinar os indígenas: "(...) Vamos entrar na aldeia e começar a matar índio, começar daqui da frente, não tá bom não".

Desde segunda-feira (25), a estrada que dá acesso ao território dos Parakanã foi bloqueada. O clima segue tenso e Tarana, estudante do curso de Letras do Instituto Federal do Pará (IFPA), teve de abandonar o local.

"Os familiares dos homens que se perderam entraram aqui agredindo um estudante e a gente ficou sem saber o que tínhamos feito pra ele. Não tinha ninguém para explicar o que estava acontecendo", informou Tarana na madrugada de quarta-feira (27). Segundo relato dos Parakanã, os próprios familiares encontraram as motos e outros pertences dos caçadores dentro das matas da TI, a cerca de 200 metros da beira da BR-230.

A agressão relatada pelo indígena ocorreu na segunda-feira (25), quando um grupo de pessoas surpreendeu, de forma violenta, os alunos dos Cursos de Agroecologia e Magistério Indígena do Campus Rural de Marabá do IFPA, por volta de 13h15.

Aos gritos, os invasores proferiram ameaças aos indígenas no Posto Taxakoakwera, onde as aulas ocorrem, acusando-os mais uma vez de serem os responsáveis pelo desaparecimento dos caçadores ilegais. Logo em seguida, o grupo bloqueou a estrada. Os indígenas afirmam que entre os intrusos havia pessoas armadas.

"O branco está invadindo nossas terras e ameaçando o meu povo de morte [...] a situação está muito complicada para nós. Pedimos às autoridades, Polícia Federal, o chefe Maior, para fazerem alguma coisa para ajudar o meu povo", suplicou, em vídeo, Xeteria Parakanã, cacique da aldeia Parano'wa

Em uma nota conjunta, assinada por professores e pela coordenação do Curso de Magistério Indígena (IFPA/CRMB), os técnicos confirmam que os indígenas receberam os familiares dos homens desaparecidos, os quais teriam solicitado ajuda dos Awaeté nas buscas por seus filhos, o que teria sido atendido pelos indígenas.

"Duas mães e um pai dos caçadores solicitaram uma reunião com os caciques o que foi prontamente atendido, e num gesto de solidariedade aos familiares foram convidados a entrar e a explicar o acontecido com calma aos Awaeté, que até então pouco compreendiam da situação de fato", diz a nota.

Tudo parecia encaminhar para um bom entendimento, quando, segundo relato dos técnicos do IFPA, um sargento da Polícia Militar de Novo Repartimento invadiu a reunião. "Tal sargento, parou a reunião, afirmando que teria recebido informações de um desaparecimento, seguido de 'cárcere privado'."

Segundo uma nota dos técnicos do IFPA, um professor teria se manifestado, explicando a situação ao sargento e dizendo que a informação de cárcere privado não era verdadeira. "O senhor ou seu informante não estariam equivocados? Aqui até o momento não houve 'cárcere privado'."
Investigações em curso
Polícia Militar do Pará foi mediar o conflito (Foto: Reprodução redes sociais)

Questionada pela reportagem da Amazônia Real, a Polícia Federal informou que já está acompanhando o caso e que um efetivo foi destacado para a região "para realização de trabalhos de Polícia Judiciária da União [e para] prestar o apoio necessário na localidade, bem como minimizar a possibilidade de ocorrência de conflito". A PF informou ainda que já foram realizados levantamentos preliminares para a colheita de informações e que está em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público Federal (MPF) e com a Eletronorte - que mantém um projeto na localidade.

Por conta do recente contato, ocorrido há menos de quatro décadas, os Awaeté não dominam plenamente a língua portuguesa. O território, com a extensão de cerca de 352 mil hectares, foi homologado em 1991, conforme Decreto 248/91. A população atual é de cerca 1.354 indígenas. Por conta da construção da Hidrelétrica de Tucuruí, que impactou os modos de vida dos Parakanãs, a Eletronorte e a Funai criaram o projeto de assistência denominado de "Programa Parakanã", administrado atualmente por um servidor federal designado pela Funai.

Já o MPF informa, em nota, que acompanha as buscas pelo desaparecimento dos três homens e que elas estão sendo feitas pelo Corpo de Bombeiros de Novo Repartimento com a ajuda dos indígenas. De acordo com o órgão, "a situação se acalmou após mediação da Funai", fato que não foi confirmado até o momento pela reportagem.

Até o fechamento desta reportagem, a Amazônia Real não conseguiu estabelecer contato com a Funai, nem com os familiares dos três caçadores.

Cícero Pedrosa Neto é fotojornalista e colaborador da agência Amazônia Real desde 2018. Sociólogo de formação e mestrando em antropologia pela Universidade Federal do Pará, pesquisa desastres da mineração na Amazônia x populações tradicionais. Em 2019 foi um dos jornalistas premiados com o 41o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humano na categoria multimídia com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", um trabalho em parceria das mídias digitais independentes #Colabora, Ponte Jornalismo e Amazônia Real. (pedrosaneto@amazoniareal.com.br)


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