Despacho da Funai indica assédio e suposta tentativa de retaliação a servidore

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano - 05/04/2022
Despacho da Funai indica assédio e suposta tentativa de retaliação a servidores
Alvo seria equipe que encontrou vestígios de indígenas isolados no Pará

Rosiene Carvalho
Manaus
5.abr.2022

Um despacho da Direção de Proteção Territorial da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o gabinete da presidência do órgão, obtido pela Folha, indica assédio e suposta tentativa de retaliação a servidores após o encontro de vestígios da presença de indígenas isolados em Ituna-Itatá, no Pará.
Procurada, a fundação não respondeu aos questionamentos da reportagem.
A Funai realizou expedição na terra indígena, que fica nos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, em novembro do ano passado, para decidir sobre a continuidade da restrição de uso da terra, renovada há 11 anos.
A renovação costuma ter periodicidade de três anos, segundo o indigenista Elias Bigio, ex-coordenador-geral da Coordenação de Índios Isolados da Funai.
O órgão comunicou a inexistência de indígenas isolados mesmo após encontrar vestígios que, na avaliação de indigenistas, indicam forte sinal de presença desses grupos. A nota técnica foi assinada pelo diretor de Proteção Territorial da Funai, César Augusto Martinez.
Ituna-Itatá é uma das terras indígenas mais desmatadas do país. Segundo a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e a OPI (Organização dos Povos Isolados), os últimos três anos do governo Jair Bolsonaro (PL) representam 84,5% dos 22.076,6 hectares desmatados.
O despacho assinado por Martinez diz que o relatório da expedição foi classificado como irregular, ideológico e imprestável na sala da presidência da Funai durante reunião entre o presidente da fundação, o delegado federal Marcelo Augusto Xavier, e o senador bolsonarista e pré-candidato ao governo do Pará Zequinha Marinho (PSC-PA).
A reunião ocorreu em 9 de novembro do ano passado. Procurado, o senador não se manifestou.
No documento encaminhado à presidência da fundação, Martinez afirma precisar de manifestação formal para subsidiar o encaminhamento à Corregedoria da Funai a respeito da "possível transgressão por parte dos servidores" que encontraram vestígios da presença de isolados na terra.
A Justiça Federal do Pará, a pedido do MPF (Ministério Público Federal), obrigou a Funai a manter a proteção do território por seis meses, tempo que seria insuficiente para o trabalho de localização e identificação do grupo indígena, de acordo com Bigio.
Segundo servidor da Funai, que pediu para não ser identificado, desde o início a expedição na Ituna-Itatá se mostrou atípica. Em geral, são planejadas pelas equipes das frentes de proteção. Porém, para essa a ordem veio da presidência.
Um dos funcionários relatou que a recepção por parte de fazendeiros e grileiros foi diferente: ofereciam estadia, "matar um boi" para refeições e tratamento cortês, chamando-os de equipe da Funai que chegou para liberar a área.
A equipe diz que sofreu pressão para se concentrar em locais devastados pela invasão, onde seria difícil encontrar vestígios da presença de isolados.
No entanto, houve a localização de resíduos alimentares e artefatos de cerâmica sem decoração, característica de indígenas contatados na região.
Segundo o relatório técnico, a cerâmica não tinha sinais de sedimentação e havia pouco material acumulado no interior, o que indica vestígios recentes.
Além disso, no resíduo alimentar havia um casco de jabuti aberto por meio de golpes na parte superior.
Indígenas assurinis, que vivem na região, disseram a membros da expedição que a cerâmica produzida por eles é diferente da encontrada e que o consumo de jabuti é feito com auxílio de ferramentas de metal na parte inferior.
Após o relatório chamado de ideológico chegar ao conhecimento da direção da Funai, a equipe teria feito uma nota técnica para "amenizar" o conteúdo da expedição.
Com base na nota "amena", Martinez assinou novo despacho em que diz ter sido "instado pela Presidência da Funai" para apresentar subsídios para a prorrogação ou não de Ituna-Itatá.
O OPI afirma que é a primeira vez que a Funai atesta a inexistência de povos indígenas. Segundo o observatório, deveria antes ter prova irrefutável e definitiva da ausência de indígenas isolados.
Bigio diz que a renovação da restrição de uso deveria ser, no mínimo, de dois anos. "A gente considera, pela experiência, o tempo (seis meses) insuficiente. Onde existe terra indígena invadida, o trabalho é maior. As pessoas destroem os vestígios, os índios ficam recuados, se escondem."
Segundo o indigenista, o sistema de proteção aos isolados prevê duas equipes. Uma para fiscalizar, vigiar e retirar invasores e outra para reunir informações e identificar a etnia. "Tira os invasores da terra indígena e, só depois, podemos fazer com que os índios ocupem com segurança seu território para identificar o grupo".
Funcionários das frentes atuam sem proteção policial e relatam ameaças de madeireiros, grileiros, invasores e também da instituição. Em 2019, um agente da frente do Vale do Javari, no Amazonas, foi morto. Ano passado, dois indígenas isolados foram assassinados a tiros na terra indígena yanomami.

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