Mineração em terras indígenas: Saiba quais são as áreas mais visadas pelo garimpo

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil/ - 11/03/2022
Mineração em terras indígenas: Saiba quais são as áreas mais visadas pelo garimpo
Desde o início do governo Bolsonaro, alerta de garimpos ilegais em teritórios indígenas cresceu 125%

Eduardo Gonçalves e Lucas Altino
11/03/2022

Enquanto defensores da autorização de mineração em terras indígenas, tema do Projeto de Lei 191 - que agora tramita em regime de urgência na Câmara - citam a possibilidade de regulamentação e regramento sobre atividades que na prática já existem, críticos da proposta alertam para a intensificação da pressão sobre áreas protegidas, com agravamento de danos ambientais, sociais e até de conflitos que colocam os indígenas em posição de maior vulnerabilidade. Atualmente, especialistas citam as áreas dos Ianomâmis e a dos Mundurukus como as duas mais visadas pelo garimpo ilegal. Além destas, garimpeiros também já estão presentes nas terras dos Sararé, Sawré Muybu, Las Casas, Waimiri-Atroari, Apyterewa, Sai-Cinza, Araweté e Paukalirajausu.

Dados recentes corroboram a preocupação dos indígenas. Monitoramentos, por exemplo, do próprio governo federal, através do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram como o garimpo e o consequente desmatamento cresceram, em terras indígenas, durante a atual gestão de Jair Bolsonaro. De 2019 a 2021, houve uma média anual de alertas de garimpos ilegais em 2.390 hectares de terra, pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe. Esse valor é 125% maior que a média observada no período entre 2017 e 2018, portanto anterior à eleição. Outra estatística do Inpe, que evidencia a consequência dessas atividades, revela que o desmatamento cresceu 138% nos três primeiros anos do governo, em comparação com os três anos anteriores.

Já o MapBiomas mostrou que, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%. Antes mesmo de aprovações legislativas, o próprio discurso de Jair Bolsonaro, em incentivo ao garimpo, faz com que as invasões se intensifiquem, explica Antonio Oviedo, pesquisados do Instituto Socioambiental (ISA).

- Essa escalada está muito em cima do discurso do governo, que diz que vai legalizar tudo. Aí gera mensagem no campo de que pode invadir porque no futuro os invasores serão beneficiados com a posse de terra - afirma Oviedo, que destaca a vulnerabilidade de diversas terras indígenas, caso o Projeto de Lei seja aprovado.- Nessas áreas hoje já há atividades ilegais, com um mínimo de infraestrutura. Então, numa hipótese de aprovação desse projeto, o garimpo escalaria facilmente nesses lugares.

Em consulta ao sistema da ANM, é possível verificar que o número de requerimentos para exploração mineral na Amazônia Legal cresceu a partir da posse de Bolsonaro. Foram 9.737 requerimentos, o que inclui pedidos de pesquisa, lavras garimpeiras e outros pedidos de autorização, entre 2019 e 2021, número 13% maior que o acumulado nos três anos anteriores. Um levantamento do Instituto Escolhas mostrou que que, até o final de 2020, o país já tinha pedidos de pesquisa para mineração de ouro em 6,2 milhões de hectares de áreas protegidas da Amazônia Legal, o equivalente a 40 vezes o tamanho da cidade de São Paulo, sendo 3,8 milhões em Unidades de Conservação e 2,4 milhões em terras indígenas.
Os Ianomâmis e os Mudurukus sob pressão

As duas terras indígenas hoje que estão sob maior ameaça são a dos Ianomâmis, situados nos estados do Amazonas e Roraima; e a dos Mundurukus, no Pará. As duas reservas têm sofrido invasões constantes de grupos de garimpeiros, alguns vinculados a facções criminosas, como mostraram operações recentes da Polícia Federal.

Nos últimos anos, no território Ianomâmi, o número de garimpeiros invasores quase se equiparou ao da população indígena local - cerca de 28.000. Houve registro de disparos de tiros contra aldeias e de duas crianças mortas sugadas por uma draga de garimpo, segundo a acusação de entidades indígenas locais. No fim de 2021, uma operação liderada pelo Ministério da Justiça apreendeu 75 aeronaves, 85.000 litros de combustível, 650 munições, 30 toneladas de minério, 17 balsas e 16 embarcações utilizadas por garimpeiros na área demarcada que é a maior em extensão do Brasil.

O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Ianomâmi e Ye'kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, declarou que o PL 191 "desrespeita os povos indígenas em todas as esferas".

- Se já tiver alguma mineração ilegal em alguma comunidade ela pode dar seguimento mesmo que em caráter provisório, até que venha a ser legalmente autorizada. Portanto, isso fere os nosso direitos, fere nosso modo de viver e trará prejuízos não somente no presente, como também no futuro fazendo com que até mesmo populações indígenas deixem de existir. O que o governo atual têm tentado fazer é extinguir populações indígenas, ele não busca melhorias, e sim a destruição - afirma Júnior.

Na terra dos Mundurukus, os ambientalistas têm uma preocupação a mais: a divisão entre os indígenas vinculados à tribo que são contrários e os que apoiam o garimpo, cobrando pedágios para o acesso à terra.

Única parlamentar indígena do Congresso Nacional, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) afirmou que o projeto de lei pode criar guerra internas dentro das tribos.

- Vai levar morte e tragédia às terras indígenas - declarou a deputada, única parlamentar indígena do Congresso.

Críticas sociais e jurídicas

Sob o ponto de vista jurídico, ambiental e social, especialistas criticam o Projeto de Lei. Advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula explica que a regulamentação do garimpo em terras indígenas é vedada pela Constituição Federal. Já outras atividades, como hidrelétricas e mineração industrial poderiam ser implementadas, desde que respeitados outros dispositivos constitucionais, como a criação de Lei Complementar, já que haveria impacto nos recursos naturais das áreas, a autorização pelo Congresso Nacional, e a participação dos povos indígenas num amplo processo de debate e consulta. Obrigações, explica, que não estão previstas no atual texto.

- O problema é a forma que pretendem regulamentar a mineração, porque estão contrariando a previsão da Constituição - afirma de Paula.

Entre os pontos mais problemáticos do PL191, a advogada cita a possibilidade de autorização "provisória" de atividades mineradoras enquanto não houver autorização legislativa; a instituição de um conselho curador indicado pelo próprio governo para gerir os recursos de contrapartida (royalties) a serem partilhados junto aos indígenas; a dispensa de estudos de impacto quando as terras não estiverem ainda homologadas, ou seja, que ainda não chegaram à última fase de demarcação; e a ausência de oitivas com os indígenas, o que fere a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

- Temos hoje pelo menos 237 terras indígenas no país ainda não homologadas que ficariam totalmente vulneráveis - afirma.
Quase metade do ouro exportado pelo Brasil é ilegal

Para Larissa Rodrigues, gerente de portfólio do Instituto Escolhas, o argumento de que a exploração mineral seria necessária para suprir demanda de fertilizantes afetada pela guerra na Ucrânia é uma "manobra inescrupulosa" que visa, na verdade, o mercado do ouro. Um estudo recente do Instituto mostrou que, entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, número baseado somente nos registros oficiais, portanto ainda aquém da realidade, mas que representa quase metade do total (487) de exportação no período. Boa parte dessa extração ilegal ocorreu em terras indígenas ou unidades de conservação.

- Em vez de se esforçar em fiscalizar essa cadeia do ouro e controlar as operações ilegais, o governo usa o discurso de legalizar as atividades como forma de acabar com a ilegalidade - afirma Rodrigues, que explica a posição do Instituto de se acabar com as permissões do garimpo no país. - Hoje o garimpo ocorre sem controle ambiental, social ou trabalhista. As tentativas de se chegar em um meio termo não vêm funcionando, e o garimpo acaba beneficiado por regras brandas.
Instituto Brasileiro de Mineração defende o "amplo debate"

Mirando exemplos da Austrália e do Canadá, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirmou que "pode haver o uso sustentável da mineração em terras indígenas ". Sem entrar no mérito da aprovação de urgência no trâmite do PL, o Ibram defendeu, em posicionamento sobre a matéria, o amplo debate do assunto pela sociedade brasileira.

"O Ibram defende que a mineração industrial pode e deve ser viabilizada em qualquer parte do território brasileiro, condicionada à criação de um ambiente dotado de plenas condições para o exercício da atividade, como pesquisa geológica; estudos de viabilidade econômica; segurança jurídica; e os licenciamentos legais pertinentes", respondeu, em nota.

Ao citar a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas Sobre Direitos de Povos Indígenas, o Ibram destacou que a aprovação depende um "processo de consulta abrangente", junto aos povos indígenas. O instituto reconheceu, portanto, que a estruturação de atividade mineral nesses territórios é "algo mais a longo prazo", e que ainda não se sabe a real dimensão do potencial mineral nessas localidades, mas que ele existe, e que poderia contribuir para o setor, que corresponde a 2,4% do PIB brasileiro.


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