Causa indígena não pode ser partidária, afirma presidente da Associação Terra Indígena Xingu

Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org - 12/11/2021
Às vésperas das eleições municipais, Ianukula Kaiabi Suia pede comprometimento dos candidatos com a pauta indígena e respeito a governança do Território Indígena do Xingu (MT).
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"Nossos representantes indígenas precisam ser defensores e fiscais da governança do Xingu e do protocolo de consulta. São duas ferramentas muito importantes que fazemos questão que nossos representantes respeitem e valorizem." A declaração é de Ianukula Kaiabi Suia, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), organização fundada em 1995 e que representa os 16 povos indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX), no Mato Grosso.

Para ele, a causa indígena não pode ser vista como uma questão partidária e tem que ser defendida pelos vereadores durante toda a gestão. "Queremos eleger mais representantes porque é como um time de futebol e quanto mais vereadores indígenas, maior a chance de fazer gol".

Em entrevista, Ianukula conta quais são as expectativas da associação para as eleições municipais de 2020 em relação aos candidatos a vereador que disputam pelo TIX, nos municípios de Canarana, Gaúcha do Norte, Feliz Natal, Querência e Marcelândia.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Rede Xingu+ - Qual a importância dos indígenas do TIX ocuparem espaços nas câmaras municipais?

Ianukula Kaiabi Suia - Para responder a essa pergunta a gente tem que falar um pouco sobre o que aconteceu alguns anos atrás e o pensamento das comunidades do Xingu sobre a política. Nas décadas de 1980 e 1990, o Xingu não tinha muito contato com os nove municípios do entorno e, portanto, não havia muita articulação com as autoridades municipais. E isso por um processo histórico de muitos conflitos, envolvendo invasão de madeireiros, fazendeiros, pescadores e caçadores. Havia uma certa hostilidade de ambos os lados e a população do entorno tinha uma certa resistência em ter contato com os xinguanos, por causa de discriminação e preconceito.

Esse cenário começou a mudar a partir do momento em que os órgãos que prestam serviços para os indígenas estabeleceram base nas cidades do entorno, como o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). A própria Atix está desde o ano 2000 em Canarana.

E como essa aproximação se transformou também em contato com as autoridades municipais?
Foi uma necessidade de conversar sobre o envolvimento deles em relação ao Território Indígena do Xingu (TIX). Na medida que as lideranças das comunidades foram entendendo que os municípios também têm responsabilidade dentro do território indígena, que não é só atribuição do governo federal, isso nos fez refletir que precisávamos ter representantes próprios nas instâncias de decisões e discussões dentro do município. Na década de 1990 foram eleitos os primeiros representantes. Nossa ideia na época era que as lideranças escolhessem uma pessoa e estabelecessem uma estratégia de apoio para eles poderem concorrer às eleições. Mas algumas realidades dificultaram as ações, como não ter número de eleitores indígenas suficientes para eleger um representante nosso. Hoje muita gente tem título de eleitor, mas naquela época não tinha.

O que mais mudou de lá pra cá?

Essas primeiras pessoas que foram eleitas não foram indicadas pela comunidade, mas elas tinham a vontade de conhecer esse lado da política. Essas primeiras experiências mostraram que é importante que as comunidades indiquem os candidatos porque eles levam a bagagem das nossas necessidades e não só o interesse pessoal. Foi somente em 2016, nas prévias das eleições municipais, que houve um debate mais intenso para eleger nossos representantes com a participação das lideranças e das comunidades na indicação desses candidatos. Foi então que a Atix tomou a iniciativa de fazer seminários e palestras para enriquecer o conhecimento deles com o objetivo de identificar os interessados em disputar as eleições. O resultado disso é que na eleição de 2016 foram eleitos quatro vereadores indígenas.

Como esses representantes indígenas devem atuar?

O que queremos é que eles possam sempre estar conectados com as comunidades, informando a gente, levando lideranças para acompanhar as votações que sejam de nosso interesse
A ideia sempre foi que a gente tivesse a presença de representantes indígenas dentro das câmaras municipais para pautar o interesse das comunidades e que ajudem nas articulações com a secretarias e prefeituras. Hoje as pessoas estão entendendo que temos eleitores para eleger mais de um vereador. Só que além dos interesses das próprias comunidades também existe o interesse dos municípios nas comunidades indígenas.

Como você vê esse interesse dos municípios nas comunidades indígenas?

Da mesma forma que temos capacidade para eleger um candidato, os candidatos não-indígenas também olham para nós como potenciais eleitores e público para seus projetos, que muitas vezes não são discutidos com as comunidades e é imposto a nós. Esses projetos que interferem nas nossas comunidades é mais um motivo para termos nossos representantes indígenas.

Como vocês avaliam o trabalho dos representantes indígenas já eleitos?

No momento atual temos vereadores aparentemente esclarecidos em suas funções, mas acredito que o primeiro mandato seja um período muito curto de experiência para ter uma avaliação do que eles podem fazer. Acredito que alguns candidatos que estejam pretendendo o segundo mandato tenham chances, o que é importante para que eles tenham oportunidade de trabalhar com uma experiência acumulada. Essa é nossa expectativa. Esperamos que a gente consiga eleger mais vereadores do que nas eleições passada. Quanto mais indígenas nos representando, maior a chance de fazer gol.

O que para a Atix significa vereadores com uma boa avaliação?

Muita gente já entendeu que o papel do vereador não é um trabalho de executivo, como algumas comunidades ainda imaginam que seja. O que consideramos como boa atuação é o contato com as comunidades depois de eleito. Têm vereadores que não participam mais desses eventos, mas alguns estão sempre ativos, presentes nas reuniões, aproveitam o encontro de governança e a assembleia geral da Atix, eventos que proporcionam a presença de todos os representantes do Xingu. É importante que esses vereadores estejam lá, contribuindo com ideias, trazendo informações dos municípios, se colocando à disposição e participando dos movimentos indígenas a nível nacional e regional. Isso é o que consideramos uma boa avaliação de vereadores, esses são pontos positivos.

Por que é tão importante a participação nessas reuniões?

É a partir delas que os vereadores recebem o norteamento do que as lideranças precisam que eles façam. A participação em eventos importantes é interpretado como uma pessoa que respeita a governança do Xingu, isso é importante.

Os representantes indígenas precisam conhecer para respeitar a governança indígena do Xingu e seus instrumentos, como o plano de gestão do Xingu e o protocolo de consulta. São duas ferramentas muito importantes que fazemos questão que nossos representantes continuem a respeitar e a valorizar. O nosso representante tem que ser um defensor disso.

Quais as principais demandas do TIX?

Tem cinco grandes temas para os vereadores atuarem. São eles:

Educação: muitas das escolas dentro do território são municipais e isso requer uma articulação com as secretarias de Educação para que tenha uma maior atenção no atendimento e funcionamento, seja no fornecimento de merenda, no material escolar e na contratação de professores. A agenda diferenciada é uma pauta bem importante também.

Saúde: é importante falar sobre atendimento específico à população indígena. Para isso, um representante indígena no município é fundamental.
Abertura das estradas - Há uma demanda muito grande de estradas e os municípios estão diretamente envolvidos com esse tema. Essa discussão é necessária porque precisa ter um acompanhamento do cumprimento dos procedimentos legais junto aos órgãos licenciadores, levando em consideração decisões das lideranças indígenas.

Energia: também está entrando essa discussão da chegada de energia por meio do linhão de transmissão. É uma discussão recente e os vereadores indígenas têm um papel importante nisso, com o cumprimento do protocolo de consulta.

Agricultura familiar: agora temos os programas de apoio a agricultura familiar que cada vez mais os municípios estão trazendo para as comunidades. Isso nos preocupa, não por ser agricultura familiar, mas pela tradução que os municípios podem estar dando para as comunidades de uma forma um pouco confusa. Isso porque o município entende como uma forma de introduzir atividades que não são agricultura familiar, de convencer os indígenas a mexer com monocultura. Precisamos estar atentos.

Como vocês trabalharam com o tema das eleições em meio à pandemia?

Por conta da pandemia a gente tem um acompanhamento muito limitado. Por outro lado, no ano passado, abrimos espaços para os candidatos se apresentarem, mostrarem seus pensamentos, e aqueles que se apresentaram possuem mais chances de serem eleitos. Já outros, que se apresentaram de última hora, a gente não conhece o pensamento deles e não sabemos avaliar. Certamente se não tivesse tido a pandemia, a gente iria promover encontros para eles colocarem suas ideias para as lideranças terem conhecimento, mas agora estamos prejudicados por causa do isolamento.

Como presidente da Atix, qual a sua orientação aos candidatos?

É difícil entrar nesse meio político uma vez que a estrutura da política do homem branco está organizada por meio de grupos partidários, com interesses e ideologias que muitas vezes não estão afinados com a questão indígena. O desafio maior dos vereadores é eles estarem conscientes que ao serem eleitos, precisam levar em conta que não podem se desfazer da causa indígena. Nos quatro anos de mandato precisam estar focados nisso. O que vemos hoje são vereadores sendo eleitos com o voto indígena, mas depois de eleito ele fala que não pode se aliar. Não é isso que queremos. A questão indígena não pode ser vista como uma questão partidária e tem que ser defendida. Essa é a minha recomendação.
Com a palavra, os candidatos indígenas do Xingu

Ianukula Kaiabi Suia - Se eleito, como vai interagir com a governança indígena e como irá conduzir o trabalho respeitando os protocolos da governança indígena do Xingu?

Txonto Ikpeng, candidato à reeleição por Feliz Natal pelo MDB - Eu tenho uma experiência de trabalho respeitando a governança do Xingu. Desde que assumi, em 2017, eu tenho feito os trabalhos baseado na governança geral, regional e local, que é do meu povo. Como candidato, todas as informações que recebo de fora, que venham a prejudicar o território do Xingu, sempre informei, coloquei e compartilhei com todos e todas as lideranças, inclusive com o presidente da Atix. Se eu for reeleito, vou continuar nesse caminho, respeitando protocolo de consulta, respeitando Plano de Gestão Territorial do Xingu, sempre ouvindo antes de aprovar qualquer assunto que possa impactar as populações indígenas ou o território. Temos que valorizar nosso protocolo, nosso Plano de Gestão Territorial, que é muito importante para nós, ele me guia muito para buscar outras parcerias e projetos que trazem benefícios para nossas comunidades.

Mairyru Kayabi, candidato por Marcelândia pelo DEM - Se eleito, claro que a gente vai respeitar a governança e os protocolos da governança do Xingu. Não é porque a gente é eleito que vamos desrespeitar os protocolos do Xingu. Então, quando a gente chegar lá, não vamos fazer as coisas de qualquer jeito. Primeiro vamos consultar as populações que pertencem ao município de Marcelândia e se eles estão de acordo com as nossas ideias. A gente conversando com as comunidades e representantes, se eles entram em acordo, a gente faz.

Taravy Kayabi, candidato por Querência pelo DEM - Na verdade, sempre fui uma pessoa simples, humilde, que sempre respeitou os direitos dos povos indígenas. Sempre respeitei e defendi nossos direitos. Sendo eleito, tenho um compromisso de apresentar um projeto na Câmara sobre a fiscalização do território. Entendo o que é protocolo,deixo bem claro não sou eu que tenho que quebrar o protocolo... Eu venho lutando há mais de 17 anos na terra indígena Kayabi. Ganhei fama por meio da minha luta, da minha conquista pela demarcação do território Kayabi no Sul do Pará e Mato Grosso, onde teve apoio de várias lideranças indígenas, conhecidas no Brasil e internacionalmente, como o cacique Raoni, os parentes Munduruku e também a Sônia Guajajara. Acho que ainda não mostrei minha capacidade e meu interesse em ajudar. Acredito que vou ser eleito, pois as autoridades dentro do Xingu me apoiam.

Mutua Mehinaku (Rei da Selva), candidato por Gaúcha do Norte pelo DEM - Eu sou uma das pessoas que acompanhou várias reuniões regionais e locais para elaboração do protocolo da governança do Xingu. Andamos por várias aldeias ouvindo as pessoas e apresentando a governança. Eu sou uma das pessoas que respeita muito esse protocolo que temos. Seria importante que nós vereadores eleitos, junto com o presidente da Atix, criássemos um meio de comunicação para que toda vez que tiver um encontro, a gente possa articular juntos a logística e o apoio.

De olho nas eleições

A Rede Xingu +, aliança política entre as principais organizações de povos indígenas, associações de comunidades tradicionais e instituições da sociedade civil atuantes na bacia do rio Xingu, tem produzido conteúdos sobre as eleições na região para informar eleitores e orientar os candidatos a vereador.

Acesse o o Souncloud da Rede Xingu + para ouvir os principais trechos da entrevista com o presidente da Associação Terra Indígena Xingu, Ianukula Kaiabi Suia, e outros programas informativos sobre as eleições municipais de 2020.



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