Visite os índios de SP, mas não pergunte por que estão com roupas e sem cocar

FSP, Turismo, p. D7 - 05/09/2019
Visite os índios de SP, mas não pergunte por que estão com roupas e sem cocar
Guaranis criam primeiro plano de turismo fora da Amazônia e sugerem que viajante fale menos e escute mais

Carolina Moraes
SÃO PAULO

O primeiro plano de turismo em terra indígena fora da Amazônia está em São Paulo. A iniciativa é dos guaranis que vivem em Tenondé Porã, área de 16 mil hectares localizada no extremo sul da capital paulista e que também abrange partes dos municípios de São Bernardo do Campo, São Vicente e Mongaguá.

Os roteiros de visitação, reunidos no site tenondepora.org.br, são feitos em sete das nove aldeias do território. As possibilidades de atividade englobam trilhas ecológicas, imersão na rotina guarani por alguns dias, palestras sobre aspectos culturais, degustação de comida tradicional e brincadeiras e jogos típicos.

Dá para provar a batata-doce arroxeada e milhos com grãos que vão do amarelo ao vermelho na mesma espiga.

Quem preferir passar um dia na aldeia pode brincar de arco e flecha e participar da cerimônia religiosa diária na casa de reza, a "opy".

Antes do plano, aprovado há um ano pela Funai (Fundação Nacional do Índio), o turismo já acontecia lá. Mas os forasteiros eram levados por agências que não consultavam os indígenas sobre as visitas.

Naquele cenário, a capacidade da aldeia de receber gente de fora era extrapolada. Agora, os índios gerenciam os agendamentos e conduzem os turistas.

As aldeias ofereçam todos os tipos de passeio, vale saber as características de cada uma para escolher o roteiro.

Uma das trilhas mais procuradas fica entre a Kalipety e a Yrexakã. A caminhada de 8 km dura duas hora e meia e atravessa dois cursos d'água. Há um açude na primeira aldeia e, na segunda, a cachoeira do Capivari, uma queda baixa com um fluxo calmo de água.

Nessas aldeias, como na Tape Mirim, próxima às duas anteriores, os turistas podem participar de mutirões de plantio de milho e batata.

Os moradores da Kalipety que acompanham os visitantes se preocupam em fazer do trajeto uma aula sobre as interferências que sua terra sofre, vindas da vizinhança branca. Quando a reportagem esteve lá, Tiago Karai, professor e um dos líderes da terra indígena, explicou que os trens da ferrovia que corta o percurso da caminhada derruba grãos de grandes produções perto de seus roçados.

A Tenondé Porã, aldeia central da terra de mesmo nome, concentra quase metade dos cerca de 2.000 guaranis da área. A segunda maior comunidade é a Krukutu: ambas têm casas de alvenaria, acesso fácil por estradas, lugar para estacionar e áreas cobertas para acampar.

Participar das vivências nessas aldeias é oportunidade para se livrar de estereótipos.

Por exemplo: a organização ali não se dá em torno de um cacique, formato de liderança comum nos territórios guaranis. A gestão é coletiva, feita por homens, mulheres, jovens e adultos, um tipo de composição novo para eles, e que foi incorporado posteriormente por outros grupos da terra, como a Kalipety.

Apesar das construções mais urbanizadas, os guaranis seguem exercendo seu modo de vida, o "nhandereko".

O antropólogo Lucas Keese, consultor do plano de visitação, explica que a cultura guarani, como qualquer outra, passa por transformações. Mas eles mantêm hábitos e rituais de seus antepassados. Falam a língua materna e frequentam a casa de reza.

A plantação de milho, batata, feijão e mandioca é outra marca de identidade, "uma forma de se entender como um guarani e se diferenciar dos não indígenas", diz Keese.

Um resultado da valorização do dia a dia na aldeia é a baixa evasão do território, diz.
As últimas duas aldeias, Guyrapaju e Brilho do Sol, ficam do outro lado da represa Billings, já em São Bernardo e são acessadas por barco. São similares às comunidades de Kalipety e Yrexakã, com áreas de plantio e nascentes de rio.

O preço para a trilha entre Kalipety e Yrexakã fica entre R$ 100 e R$ 130 por pessoa, sem ou com refeições. Não há média de preços dos passeios: cada comunidade tem autonomia para definir valores.

As conversas com os "juruás", como os guaranis se referem aos não índios, produzem todo tipo de questionamento.

Karai conta que forasteiros já perguntaram por que os indígenas não estavam pelados, pintados e usando cocar. "Explico sobre diversidade cultural. Guaranis nunca viveram nus. A gente teve vestimenta própria, no passado, e nunca usou cocar: usa faixinha".

Os índios recomendam a leitura do manual de conduta, elaborado por eles, que define regras para visitantes, como não levar bebidas alcoólicas.

Uma das mais curiosas sugere "escutar mais e falar menos", ponto que o professor considera importante para a experiência com guaranis.

"Na nossa tradição, quando um fala, a gente tem que escutar, independentemente de quem é, se é criança, se é adulto, se é mulher, se é jovem. E, quando ele pede a palavra, a gente cede e só ouve, não fica rebatendo. Se você não está de acordo, espera ele terminar. Quando ele termina, dá a saudação. É aí que você fala."

FSP, 05/09/2019, Turismo, p. D7

https://www1.folha.uol.com.br/turismo/2019/09/visite-os-indios-de-sp-mas-nao-pergunte-por-que-estao-com-roupas-e-sem-cocar.shtml


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