MPF recomenda urgência na investigação sobre sumiço de mulher no sul do Amazonas

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br - 06/02/2017
O procurador da República no Amazonas, Fernando Soave, recomendou à Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Polícia Civil do Amazonas urgência no andamento das investigações sobre o suposto envolvimento de índios da etnia Pirahã no desaparecimento há mais de um mês da dona-de-casa Aldelena Carril dos Santos, 41 anos, do sítio Canta-Galo, na zona rural de Humaitá, a 591 quilômetros de Manaus, no sul do Amazonas.

Na recomendação emitida no último dia 12 de janeiro e da qual a Amazônia Real teve acesso, o procurador Fernando Soave, responsável pelo Ofício de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, pediu ao presidente da Funai, Antônio Fernandes Toninho Costa, que adote, em caráter de urgência, medidas de segurança para garantir a integridade do povo Pirahã, suas terras e recursos naturais e a instalação de um posto flutuante de controle na região da Boca do rio Maici, onde está localizado seu território tradicional.

Por causa do clima de tensão com o desaparecimento de Aldelena Carril Santos, os índios Pirahã deixaram de receber o atendimento de saúde no mês de janeiro da equipe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Ericátia Olivieira, irmã da dona-de-casa, disse que a família abandonou o sítio Canta-Galo, que fica no Distrito de Auxiliadora, em Humaitá.

Como publicou a Amazônia Real, o delegado Teotônio Rego Pereira, abriu um inquérito para investigar o desaparecimento de Aldelena Carril dos Santos e já ouviu um grupo de índios Pirahã, mas não elucidou o caso. Ele acredita que há envolvimento de indígenas e não-indígenas no sumiço da dona-de-casa.

Aldelena Carril dos Santos, mãe de 14 filhos e casada com o comerciante Luiz Alecrim, desapareceu no dia 29 de dezembro de 2016. A família tem um comércio de produtos extrativistas (como castanha) e de alimentos no sítio. Segundo testemunhas e familiares, o sumiço da dona-de-casa foi percebido depois que ela atendeu cinco índios da etnia Pirahã no flutuante (embarcação de madeira), ancorado na margem do rio Marmelos, afluente do rio Madeira.

Buscas realizadas no início de janeiro na região pela Polícia Civil e por servidores Funai, com apoio do Exército, encontraram apenas vestígios, como uma sandália de borracha dela e flechas dos índios Pirahã. Familiares de Aldelena Carril dos Santos, conhecida como Dona Alda, cobram resultado das investigações, mas o delegado que conduz o inquérito policial, Teotônio Rego Pereira, diz que será necessário realizar novas diligências no local do desaparecimento.

Na recomendação enviada no dia 12 de janeiro, o procurador Fernando Soave solicitou à Funai o deslocamento de servidores e recursos financeiros para a área, em um prazo de 72 horas.

Aos delegados Teotônio Rego Pereira e Marcus Rezende, da Polícia Civil de Humaitá, Fernando Soave pediu providências para gerenciamento de crise e a realização de diligências na Terra Indígena Pirahã acompanhadas de intérprete, antropólogo, especialista ou pesquisador que mantenham relações com os índios.

Aldelena Carril Santos é filha de uma índia Munduruku com um homem não-indígena. As lideranças desse povo também exigiram rapidez nas investigações sobre o caso, conforme relato do indigenista Pedro da Silva, morador do Distrito de Auxiliadora, e membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Os Pirahã são índios considerados seminômades e de pouco contato com a sociedade não-indígena. A Terra Indígena Pirahã fica na região do rio Maici, afluente do rio Marmelos, que deságua no Madeira. Eles não falam português. As relações com não-indígenas são restritas aos comerciantes ribeirinhos com quem trocam (escambo) produtos extraídos da floresta.

A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal em Manaus para saber se as recomendações do procurador Fernando Soave já foram cumpridas pela Funai e pela Civil do Amazonas. Na quinta-feira (2), o MPF informou à reportagem que ainda não havia recebido resposta dos órgãos. Disse que o prazo de cinco dias de vigência para o cumprimento da recomendação começou a ser contado no dia 25 de janeiro, quando os documentos com as recomendações chegaram pelos Correios, disse a assessoria de imprensa. Nesta segunda-feira (06), a assessoria reiterou que as respostas dos órgãos notificados ainda não haviam sido enviadas.

Conforme o MPF, caso as respostas da Funai e da Polícia Federal informando se cumpriram as recomendações não fossem remetidas até neste final de semana (dia 04 de fevereiro), o gabinete entraria em contato com os órgãos nesta semana para reforçar a necessidade de manifestação sobre o acatamento das medidas recomendadas, considerando que o prazo já haverá se esgotado para todos.

O procurador Fernando Soave diz que se as recomendações não foram atendidas o MPF poderá resultar em medidas judiciais e extrajudiciais contra os órgãos envolvidos nas investigações.

Além da Polícia Civil de Humaitá e a Funai, o MPF afirmou que enviou cópia das recomendações de Fernando Soave foram enviadas para o Comando da Polícia Militar do Amazonas, 54o BIS (Batalhão de Infantaria de Selva), Casa Civil da Presidência da República e do governo do estado, as prefeituras e Câmaras Municipais de Humaitá e Manicoré, além de associações representativas dos povos indígenas da região.

Procurada, a Funai respondeu por meio de sua assessoria de imprensa na quinta-feira (02) que recebeu as recomendações do MP e que elas estavam em análise.

Em entrevista à reportagem, o delegado Marcus Rezende, titular da Delegacia de Humaitá, disse na última terça-feira (31) que ainda não havia recebido o documento com a recomendação do MPF.


Delegado não foi notificado


Responsável pela apuração do caso, o delegado Teotônio Rego Pereira disse na semana passada à Amazônia Real que a investigação não teve evolução. Ele ainda não havia recebido a recomendação do MPF.

Pereira esteve no sítio Canta-Galo e na Terra Indígena dos Pirahã uma semana depois do desaparecimento de Aldelena Carril dos Santos acompanhado de uma equipe da Funai. Conforme o delegado, indígenas interrogados teriam admitido que um grupo de Pirahã, que estava ausente do local, havia atacado e matado Aldelena.

Durante a presença da equipe da polícia e da Funai no local, moradores de comunidades do Marmelos mergulharam na área onde Aldelena teria desaparecido, seguindo indicações dos Pirahã, mas o corpo não foi encontrado.

O delegado afirmou que a comunicação com os índios teve como barreira a dificuldade da língua, já que a maioria dos Pirahã não domina o português; os que falam entendem pouco e pronunciam com dificuldade.

Pereira disse também que seria necessário retornar ao local do desaparecimento e continuar a tomar o depoimento dos indígenas, mas que ainda não havia data para acontecer uma nova diligência.

"O trabalho de análise que foi colhido está reforçando a necessidade de um retorno o mais breve possível, porém ainda não temos data e precisam ser vistos os meios para isso", afirmou.


Família abandonou sítio Canta-Galo


Ericátia de Souza Oliveira, irmã da dona-de-casa, contou à Amazônia Real que a família tem cobrado a Funai e a Polícia Civil o resultado das investigações, mas não tem obtido respostas. Ela afirmou que a família não tem mais esperança de encontrar Aldelena com vida.

"Eles deixaram tudo parado. Ninguém deu assistência, ninguém falou mais nada, ninguém sabe de nada. A polícia diz que vai continuar investigando, mas que está esperando a Funai fazer alguma coisa. A Funai está silenciosa. A gente nem sabe o que fazer. O que a gente queria era que a Funai desse uma solução, que achasse um dos índios que confirmou que matou minha irmã, pois eles confirmaram que foram responsáveis", afirmou.

Ericátia disse que toda a família foi afetada e que desde o desaparecimento da irmã, o sítio Canta-Galo foi abandonado. Aldelena Carril dos Santos tinha 14 filhos. Os quatro mais velhos são do primeiro casamento e não moravam no sítio. Ela é mãe de dez filhos, que têm idades ente um ano e 14 anos, com o comerciante Luiz Alecrim.

"Seis das crianças estão morando comigo, em Porto Velho. Os outros quatro estão em Humaitá, com a irmã deles, filha do seu Alecrim com a primeira mulher dele. O próprio Alecrim também se mudou. Ele está morando agora em Auxiliadora", afirmou Ericátia.

Ela disse que suspeita de que há envolvimento de não-indígenas no desaparecimento de Aldelena. "Isso é 100% de certeza. O próprio delegado sabe que tem outras pessoas envolvidas. Tem que saber por que os Pirahã foram usados?", indagou.


Munduruku cobram respostas


Em entrevista dada no início de janeiro, o indigenista do CIMI, Pedro da Silva, afirmou que logo após o desaparecimento de Aldelena, a população que vive nas comunidades do rio Marmelos se revoltou e chegou a ameaçar invadir o rio Maici, onde vivem os Pirahã. Na semana passada, ele disse à reportagem que atualmente, o clima está menos "pesado", embora continue tenso.

Conforme Silva, além da família não-indígena de Aldelena, agora seus parentes indígenas Munduruku também cobram uma resposta da Funai.

Segundo Pedro da Silva, uma liderança Munduruku e moradora da aldeia São Raimundo, na região do rio Marmelos, pede regularmente informações sobre o andamento das investigações.

"A dona Alda é Munduruku por parte de mãe. O pai dela é branco. Uma liderança da aldeia, tio dela, me falou que ele está no limite da paciência. Ele reclamou que todo dia tem uma notícia diferente", disse Pedro da Silva, que se mostrou preocupado com a ameaça de hostilidade dos Munduruku contra os Pirahã.

"A situação está muito complicada por aqui. A Funai de Humaitá diz que está sem recurso para enviar uma equipe para a área e que a Funai em Brasília não libera este recurso. Por causa dessa situação, a equipe de saúde nem entrou na área dos Pirahã para fazer atendimento de saúde em janeiro. O Dsei (Distrito Sanitário Indígena, ligado à Sesai) achou mais prudente não ir", afirmou.

Para Pedro da Silva, o fato de a Funai e da Polícia Civil não terem retornado ao local do desaparecimento vem incitando a população local a se voltar contra os índios Pirahã.

"Desde a vinda deles no início de janeiro, ninguém mais foi ao rio Maici. A gente não sabe o que está acontecendo lá. A Funai veio e ficou de voltar, mas até hoje não deu uma definição do caso, está em silêncio. Parece que está parado, que nada vai acontecer, mas há sempre uma tensão no ar", disse.

Pedro da Silva diz acreditar que o suposto envolvimento dos Pirahã no desaparecimento e morte de Aldelena Carril dos Santos tem participação de "brancos", que teriam ordenado o ato.

"Surgiu um comentário que há um mandante. Que ele envolveu os Pirahã. Tem que saber qual o intuito de ele mandar fazer isso e por que envolveram os Pirahã", questionou.


Saúde está paralisada


O atendimento de saúde dos índios Pirahã do rio Maici é feito pelo Distrito Sanitário Indígena (Dsei) de Manaus, com uma equipe mantida em Manicoré, município vizinho a Humaitá. O coordenador do Dsei de Manaus, Narciso Cardoso, afirmou à Amazônia Real que, de fato, houve paralisação do atendimento por causa da tensão no local, mas que a partir desta seegunda-feira (06) uma equipe com dentista, enfermeiros e médico vai à terra indígena, onde ficará até o próximo dia 22. O atendimento de saúde aos Pirahã é mensal.

Cardoso afirmou que o Dsei Manaus dá atendimento para 325 índios Pirahã de cinco aldeias à margem do rio Maici. Já o grupo de Pirahã que vive em outra área da terra indígena, na proximidade da Transamazônica (BR-230), é atendido pelo Dsei de Porto Velho (RO).



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