Desocupação terminou com tumulto em 2 fazendas

Campo Grande News-Campo Grande-MS - 15/12/2005
Os índios saíram pacificamente das áreas; crianças empunhavam cartazes reivindicando a terra

A liberação de três fazendas ocupadas por índios em Antônio João esta manhã terminou em confusão em duas delas. Quando os indígenas já tinham saído das áreas da Itá Brasília e Morro Alto, as duas últimas a serem liberadas, as casas de bacuri e sapé dos índios foram destruídas de forma criminosa, causando revolta. Pelo menos 7 teriam sido destruídas, 3 na Ita Brasília; um produtor rural teria ateado fogo nestas.

A confusão ocorreu por volta de 12h30, quando a imprensa, representantes de ONGs e o procurador da República Charles Estevan da Mota Pessoa já não estavam mais na região, segundo conta a professora indígena Léa Aquino Pedro, que estava no local. Alguns índios ainda deixaram alguns objetos nas casas e ao ver ação de proprietários e peões começou um tumulto. A Polícia Federal teve de intervir.

Conforme Léa, uma das índias tinha deixado um bebê dentro de uma das casas e o desespero despertou a atenção dos demais. Muitos correram armados com flechas, paus. Não houve nada com a criança. Alguns índios perderam alimentos, a cesta básica tinha sido entregue havia poucos dias. Outros criavam galinhas e as aves foram mortas na confusão, conta a professora.

A liberação das fazendas estava ocorrendo sem tumulto. Os índios não reagiram à presença das Polícias Federal e Militar, que estavam acompanhando dois oficiais de Justiça.

Havia caminhões da prefeitura para os guarani-caiuás colocarem seus pertences. Segundo Léa Pedro, com a interferência da PF os donos de áreas recuaram e ainda há objetos dos índios que serão retirados posteriormente. Os índios vão ficar acampados às margens de uma estrada que passa ao lado das fazendas.

Na primeira área desocupada, a Piquiri Santa Creuza, não houve tumulto. Os índios reivindicam as áreas, que estão na terra Nhanderu Marangatu, homologada em março deste ano, numa área de 9,3 mil hectares.

A operação- A operação conduzida pela Polícia Federal custou R$ 200 mil: 150 homens, três ônibus, uma dúzia de viaturas, uma ambulância, um helicóptero, cães, farto armamento, bombas de efeito moral.

Uma das estrelas da desocupação foi o helicóptero Esquilo AS-350 B-3, fabricado pela Helibras. É uma aeronave que, além do piloto, pode transportar cinco ou seis tripulantes, carregar metralhadora e ainda atingir mais de 250 km/h. Na medida da versatilidade, o custo: cada vez que enche o tanque são R$ 2500. Só para vir de Brasília para MS foram três reabastecimentos, a cada vôo de reconhecimento, mais um. Foram mais de 10 nestes últimos dias.

Para os índios, os vôos do Esquilo foram o prenúncio da operação. Às 6h desta quinta-feira, ele cruzou os céus e mergulhou em rasante próximo à entrada da Itá Brasília, onde os índios estavam concentrados desde a noite de ontem. No último vôo a aeronave passou a cinco metros das cabeças da multidão, provocando uma reação em cadeia basicamente dominada pelo choro das mulheres e crianças, que eram a maioria no local.

Logo no começo da conversa com o delegado Jonas Rossati, que comandou a ação, as lideranças dos índios impuseram uma condição, que o helicóptero parasse com os rasantes. Foi depois da intervenção indignada do procurador da República, Charles Estevan da Motta Pessoa, que a aeronave pousou.

Cheio de tato, Rossati explicou a todos os índios que o abordavam que a PF estava cumprindo ordens da justiça federal, que não haveria violência e que o helicóptero não era terrorismo, mas sim indispensável à segurança. "Nós não somos traficantes, isso assusta as crianças", reclamava o guarani Eugênio Morales, que não pareceu muito convencido pelos argumentos da lei.

Noite de reza na estrada - Os índios já estavam decididos há algumas horas a não resistir. Da meia-noite às 9h, eles estiveram reunidos no acesso da Itá Brasília. Habitualmente, as reuniões dos guarani-caiuás são um caldeirão de política e religião. Depois das explicações das lideranças sobre a irreversibilidade do despejo, os sons mais ouvidos na madrugada da estrada eram das rezas, dos mbaracás (uma espécie de chocalho) dos líderes religiosos e do bater de pés da dança. Naquela altura do campeonato, era um som de desesperança e ficou acordado que o protesto seria feito na forma de cartazes carregados pelas crianças.

"O Natal dos filhos dos juízes e dos policiais será bom, será em casa; o Natal dos nossos filhos será na beira da estrada", previa Maria Regina, uma guarani mãe de três.

A batalha dos tribunais - Charles Pessoa foi um dos primeiros a aparecer pelo local. O procurador chegou pouco depois do raiar do dia para tentar explicar que a expulsão da área não seria o desfecho da luta pela terra.

"A decisão judicial determina que vocês esperem o julgamento da terra fora da área, mas a luta ainda continua", disse aos índios.

A guerra nos tribunais envolve duas ações - uma delas no Supremo Tribunal Federal e outra na justiça federal. O ministro Antônio Cezar Peluso, do Supremo, é o encarregado de relatar o processo que julga a principal questão - se a terra pertence ou não aos índios. Uma nova perícia antropológica já foi determinada pela justiça.

Pragmatismo da sobrevivência - Logo depois do acordo e com a tensão diminuindo, ficou combinado de começar a desocupação das fazendas. Foi quando surgiu o primeiro lapso da operação: carregar as coisas como. Depois de pedidos do procurador da República, a prefeitura de Antônio João mandou ao local dois caminhões para carregar os pertences que ficaram dentro da área proibida. Dois oficiais de justiça, policiais federais e o procurador começaram a vistoriar as áreas para comprovar a reintegração de posse.

"A gente sempre confiou na justiça", disse Miguel Derzi, dono da Itá Brasília, a primeira a ser desocupada e o único proprietário rural visto pela equipe de reportagem no local, depois que a desocupação foi feita.

Para a guarani Maria Regina, já estava superado pela manhã a questão se houve justiça ou terror. Para ela e o seu povo imperava o pragmatismo da própria sobrevivência: "Para onde vamos com os nossos filhos?"
PIB:Mato Grosso do Sul

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