PF despeja 700 no Mato Grosso do Sul por intransigência do STF

Carta Maior-Brasília-DF - 15/12/2005
Cerca de 700 indígenas da etnia guarani kaiowá em Mato Grosso do Sul, a mesma que causou comoção mundial após um surto de mortalidade no início do ano, foram despejados de suas terras pela Polícia Federal. STF, que suspendera a homologação da área, negou pedido da Funai de suspensão da ação.
Depois de uma semana extremamente tensa a espera de uma ação de reintegração de posse, anunciada na última quarta (07) pela Justiça Federal, os indígenas guarani kaiowá da Terra Indígena (TI) Nhande Ru Marangatu, na região de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, foram despejados na manhã desta quinta (15) pela Polícia Federal. Os cerca de 700 guarani kaiowá atingidos pela ação ocupavam, desde março último, uma área de cerca de 500 hectares, parte dos 9.300 ha (hoje ocupados por três fazendas) homologados como Terra Indígena por decreto presidencial neste mesmo mês.



A liminar de reintegração de posse da área, expedida pelo 3o Tribunal Regional Federal de São Paulo em beneficio dos fazendeiros, tem como precedente uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de julho passado. Contestando a validade dos estudos antropológicos da Funai que levaram à demarcação da TI, os pretensos proprietários da área entraram com pedido de liminar suspensiva dos efeitos da homologação junto ao STF, que deferiu o pedido por decisão de seu presidente, ministro Nelson Jobim.



Inicialmente preparados para resistir, a maior parte dos indígenas decidiu, em reunião no início da noite desta quarta, deixar suas casas e esperar a polícia na beira da estrada que liga os municípios de Antonio João e Bela Vista, onde devem permanecer por tempo indeterminado, segundo uma liderança que preferiu não ser identificada.



Integrantes do grupo que, no início deste ano, causou comoção internacional por conta de um surto de mortalidade e desnutrição infantil em função do pouco espaço para morar e produzir alimentos, os indígenas despejados agora voltam a correr os mesmos riscos de vida. A decisão de permanecer acampados na beira da estrada é, segunda a liderança guarani, a única opção no momento, já que não existe outra alternativa de reassentamento. "Agora precisamos de lonas para fazer nossos barracos, o sol está insuportável, e estamos desde as três horas de ontem se comer", informou à Carta Maior nesta manhã.



Segundo a Funai, em um primeiro momento havia sido cogitado a relocação das famílias para uma área de 26 hectares originalmente ocupada pelos guarani kaiowa, mas, de acordo com os índios, na época das chuvas esta área fica completamente alagada. Agora, o órgão estuda a possibilidade de arrendar uma terra até que as pendências jurídicas sejam resolvidas. A Funai também deve providenciar recursos para a alimentação do grupo, além de tentar negociar a permissão para que os índios colham a produção de suas roças.



STF

Todo o processo de reconhecimento da TI Nhande Ru Marangatu, que teve inicio em outubro de 2002, quando o Ministério da Justiça editou uma Portaria declarando a posse permanente dos índios e determinou a demarcação administrativa da terra indígena, seguiu os trâmites legais de estudo antropológico e demais procedimentos técnicos, garante a Funai. Segundo o órgão, ficou comprovada e foi aceita por todas as instâncias competentes a utilização tradicional da área pelos guarani kaiowá.



A homologação da TI, que veio no rastro das mortes por desnutrição e dos suicídios que colocaram os guarani kaiowá do Mato Grosso do Sul nas manchetes da imprensa nacional e internacional no começo deste ano, remediou, em partes, o confinamento diagnosticado como principal raiz do iminente genocídio. Assim, a decisão do STF favorável aos fazendeiros e que invalidou um decreto do próprio presidente, pegou de surpresa os indígenas, as organizações indigenistas e a própria Funai. Mais grave, no entanto, está sendo considerada a manutenção ferrenha da defesa dos interesses dos grandes produtores rurais em detrimento dos direitos constitucionais, oficialmente reconhecidos, dos guarani kaiowá.



Nesta última semana, procuradores e funcionários da Funai travaram uma luta desesperada contra o tempo e a Justiça Federal para tentar evitar a ação policial, mas na véspera do despejo o desânimo era latente.



"É uma situação sem precedentes. A terra estava demarcada, puxa vida. Tivemos uma reunião com a Justiça Federal em Ponta Porã esta tarde, levamos sete lideranças indígenas para tentar sensibilizar o juiz, estamos desde sábado passado conversando com a Polícia Federal, e de nada adiantou. A decisão dos índios de ocupar a área homologada, apesar das pendências jurídicas, se deu quando eles perceberam que os fazendeiros começaram a destruir as matas que lhes garantiria a sobrevivência quando estivessem na TI. Isso tudo foi colocado para a Justiça, sem efeito", desabafou o agente da Funai Odenir Oliveira no final da tarde desta quarta.



Nesta mesma tarde, o STF negou novamente um recurso impetrado pela Funai para evitar o despejo. Segundo sua página na internet, "o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, negou o pedido da Fundação Nacional do Índio e considerou válida a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região [de São Paulo] que suspendeu a demarcação de área indígena no município de Antônio João, em Mato Grosso do Sul. (...) O ministro-presidente não acolheu os argumentos da fundação que pretendia suspender a decisão da presidente do TRF favorável aos proprietários das terras. 'Deferir o pedido da Funai implicaria manter a comunidade indígena em área cuja demarcação está sob exame judicial', afirmou o ministro Jobim em seu despacho".



O exame judicial, no caso, se refere ao mandado de segurança contra a homologação, que deve ser analisado pelo ministro Cezar Peluso. "Enquanto a Corte não julga o caso, fica mantida a decisão do ministro-presidente tomada em julho último", afirma o STF. Não há data ou prazo previsto para este julgamento, e a assessoria do STF já avisou que nem o ministro nem seus auxiliares se sentem na obrigação de falar com quem quer que seja sobre o assunto. "Eles têm milhares de ações para avaliar, existem milhares de pessoas querendo falar com eles, e obviamente eles não tem obrigação de atender ninguém", informou a assessora de imprensa à Carta Maior.
PIB:Mato Grosso do Sul

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