Há cerca de 15 dias um grupo de índios Guarani vive na área do Parque Nacional do Iguaçu; enquanto entidades se mobilizam para retirá-los eles só querem uma coisa: ter uma área definitiva para viver e criar os filhos...
Um embrião de aldeia nasce em meio à mata do Parque Nacional do Iguaçu. Há cerca de quinze dias, um grupo de guaranis que já estava na região de Matelândia adentrou o parque. Foram oito dias pela mata até encontrar a clareira ideal onde as moradias foram erguidas. Uma tenda para cozinhar, outra para dormir e a estrutura mais ampla e mais importante é a Casa de Reza, onde diariamente as famílias realizam seus rituais. Além de ser o local onde suplicam a ñanderu para conseguir terras, a presença deste espaço indica que os guaranis não estão de passagem: é ali que eles querem ficar.
Os agricultores da região sabem da presença indígena e, meio a contragosto, foram indicando o caminho. Foram horas pelas estradas rurais que margeiam o parque e, por sorte ou acaso, onde termina a plantação e começa o patrimônio da humanidade, encontramos dois índios. A aldeia fica a meia hora de caminhada por uma trilha estreita, cheia de troncos e cipós. Somos convidados a conhecê-la.
Quem nos recebe é o cacique e rezador Claudio Vogado. Ele nos leva diretamente para Casa de Reza onde há uma espécie de altar com penas, arcos, flechas e rústicos instrumentos musicais. Num canto, uma pequena fogueira de onde se pega a brasa para acender cachimbos de fumo. A fumaça abre caminhos e abençoa, explicam. Somos convidados a dar três voltas em sentido anti-horário e depois formar uma fila em frente ao altar, com a mão direita estendida Claudio reza a ñanderu. É o jeito dos guaranis de dar as boas-vindas e pedir a benção sobre a conversa que seguiria.
Terra não cresce
Quando questionado sobre o porquê de estarem ali, a primeira palavra que Claudio fala é futuro. "Estou pensando nos meus filhos e nos que virão depois. O povo guarani está crescendo e não tem mais espaço para viver. O índio luta faz muito tempo para ter sua terra e pensamos que este lugar dá futuro", explica, de maneira simples. O plano é este: permanecer.
A polícia ambiental, que cuida do parque, também já sabe da presença indígena na floresta. Quando os primeiros policiais chegaram, sem truculência, teriam dito para Claudio que ele precisava indicar um advogado para resolver a situação. "Eu perguntei pra ele se em 1.500 quando os portugueses invadiram nossa terra trouxeram advogado também", relata, meio rindo, da visão do policial, "nós temos direito, nós era dono da terra", argumenta.
Patrimônio
Junto ao Parque Nacional Iguazú, na Argentina, a área de 600 mil hecteres - sendo 400 mil hectares de floresta primitiva - é considerado o refúgio biológico mais importante do sul da América do Sul. O primeiro questionamento que surge sobre a presença humana no parque é o risco de a área ser degradada ou deixar de ter o título de patrimônio natural da humanidade, concedido em 1986.
Os guaranis entendem que o homem branco não soube cuidar da terra e quer fazer isso com o pouco que resta. "Guarani nunca destrói. Não precisamos destruir para viver aqui. A mata é nossa vida e sem terra não tem cultura guarani", afirma com a crença de que aquele espaço pode devolver ao povo guarani uma vida que já tiveram. Com sua família, Claudio já passou por muitas terras e está cansado. Repetindo a jornada de outros que vieram antes dele, quer um lugar definitivo e certo, onde os filhos possam crescer e viver.
A polícia passa a cada dois ou três dias para monitorar os índios. São poucas famílias, há mulheres e crianças. A intervenção na mata é mínima e a estrutura que eles dispõem também. Isso parece não incomodar e todos se sentem em casa. Crianças brincam nos cipós e com cães. Agachadas, mulheres fazem artesanato. Da aldeia é possível ouvir o barulho do rio que passa a menos de cem metros. Os guaranis nos levam até lá como quem apresenta sua casa. Contam que a diversidade de animais na mata é grande e que ouviram até o barulho da temida jaguaritê, a onça. "Essa eu não vi nem quero ver", brinca o cacique. Além do som dos bichos, os guaranis contam já ter ouvido tiros, provavelmente de caçadores, agindo na mata.
Caso social ou de polícia?
A entrada dos indígenas no parque se soma a uma série de casos de ocupação irregular de terra no Oeste, especialmente nos municípios de Guaíra e Terra Roxa. No entendimento do indigenista Paulo Porto, a ocupação do Parque Nacional do Iguaçu é um pedido de socorro dos povos guaranis. "O parque é o que restou de área preservada e os povos guaranis continuam sem seu espaço. Isso revela o caráter urgente de se discutir isso. Na região oeste, são 15 ocupações, este povo está pedindo socorro", avalia. Ele teme intervenções violentas para a retirada dos guaranis do parque. "O Governo Federal precisa entender que é um problema social e uma reivindicação legítima e não tratar o caso como caso de polícia", afirma.
Recorrente
Esta não é a primeira ocupação da área do Parque Nacional no Iguaçu por indígenas. Em 2005 um grupo de guaranis permaneceu por mais de 80 dias no parque e saiu mediante acordo de que haveria demarcação de uma terra que resolvesse o problema. Eles saíram em um ônibus acreditando que estavam sendo levados para Guarapuava, onde há uma sede da Funai (Fundação Nacional do Índio), mas foram deixados em uma aldeia em Diamante do Oeste. Houve resistência para o desembarque e chegou a ocorrer confronto. Apesar de não serem os mesmos índios, a promessa não foi cumprida até hoje. Segundo a Funai, desde 2006 existe um processo de compra de terra em andamento para cumprir o compromisso firmado em 2005, mas não há recurso para comprar a terra.
Reintegração de posse
O Parque Nacional do Iguaçu é administrado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O chefe do Parque, Jorge Pegoraro, está preocupado. O diálogo não avançou e procuradoria jurídica já está juntando os documentos necessários para buscar, pela via judicial, a reintegração de posse. "Não existe nenhuma alternativa de permanência. Para isso seria preciso mudar a legislação. Respeitamos a questão indígena, sabemos dos problemas que eles têm em nossa região, mas a saída pacífica deles é necessária".
Pegoraro acredita que a documentação será encaminhada ainda esta semana. Em 2005, em uma situação semelhante, o parque conseguiu na Justiça a reintegração, que foi cumprida pela Polícia Federal.
Segundo Pegoraro, a presença humana no parque gera risco de que o espaço perca o status de Patrimônio Natural da Humanidade. "Eles estão com animais domésticos como cães, gatos e galinhas, usam o fogo, gerando risco de incêndio florestal e acabam prejudicando a fauna e a flora".
A gestão do parque afirma ainda que todo o território do parque está fundiariamente regularizado, ou seja, não haveria sobreposição da área de reserva em terras guaranis. "A última desapropriação foi feito ainda em 1981, não temos nenhuma área irregular", reitera Pegoraro.
Ele entende que a entrada dos guaranis no parque é uma forma de pressionar para a solução de um problema que não é do Parque Nacional. "A questão não foi resolvida por parte da Funai, então há esta pressão utilizando-se da área do Parque".
O parque engloba 14 municípios Foz do Iguaçu, Medianeira, Matelândia, Céu Azul, São Miguel do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, Santa Tereza do Oeste, Capitão Leônidas Marques, Capanema e Serranópolis do Iguaçu. O Ibama já catalogou 45 espécies de mamíferos, 12 de anfíbios, 41 de serpentes, 8 de largartos, 18 de peixes e mais de 200 espécies de aves e outras 200 de borboletas. As Cataratas do Iguaçu, que ficam na área do Parque, foram recentemente consideradas uma das Sete Novas Maravilhas da Natureza.
Prazo
A Polícia Ambiental registrou boletim de ocorrência e notificou a Funai (Fundação Nacional do Índio) sobre a situação, que já esteve na área a levou alimentos para o grupo. Ferdinando Nesso, chefe da Funai de Guaíra, vê a ocupação com preocupação. A Funai pediu um tempo para a direção do Parque, antes que eles entre com o pedido judicial de reintegração de posse, foram concedidos dez dias que terminam esta semana. "Estamos em contato com a coordenação da Funai em Chapecó, Santa Catarina, para buscar uma área para onde possam ir estas famílias, mas até agora não temos nenhuma definição", afirma Ferdinando.
Depois de visitar o local ele considera a situação dos indígenas precária e afirma que não há possibilidade de negociar a permanência deles na área. "A questão legal é clara. Apesar de a área ter tudo a ver com eles pela presença de mata, a situação é mais complexa", relatando que as áreas de mata no Estado são escassas.
Segundo Ferdinando parte dos indígenas que hoje vive em ocupações irregulares veio de uma aldeia em Diamente do Oeste, que foi criada pela Itaipu para abrigar os indígenas prejudicados com a construção da barragem da usina. Segundo ele, a área desta aldeia está superlotada. São 1.400 hectares para cerca de 90 famílias, mas apenas 15% da área é cultivável o restante é de área não plana e pedregosa. "O território já é pequeno para eles e a preocupação é com o futuro. Como a população está crescendo a tendência é ficar mais apertado. Além disso, o que os leva a deixar a aldeia é que eles não se sentem dali", explica.
A antropólogo da Funai, Diogo Oliveira, conta que falta dinheiro para a aquisição das terras. Desde 2006, por exemplo, foram realizados uma série de estudos para demarcar terras para o grupo que ocupou o parque em 2005, o que falta é o dinheiro. "Temos o estudo sobre uma área em Ouro Verde do Oeste com cerca de 260 hectares, que seria suficiente para 30 famílias mas o custo é de 16 milhões, mesmo que esta terra saia, não vai resolver o problema do Oeste.
Governo do Estado
Apesar de a demarcação de terras não ser uma responsabilidade do Estado, o assessor de Assuntos Fundiários do governo Beto Richa, Hamilton Serighelli, tem acompanhado a questão indígena e busca mediar junto ao Governo Federal soluções para essa situação e o preço da terra é uma dificuldade. Ele estima que 3 mil famílias guaranis precisem de um local para viver e a região oeste não tem terras para esta etnia. Ele explica que uma dificuldade adicional é que a legislação atual não permite que haja indenização do proprietário se ficar constatado que originalmente aquela era terra guarani. "Nestes casos quando há um estudo antropológico que caracteriza a terra como de origem indígena só é possível pagar pela benfeitoria. Uma alternativa é que o Incra compre a área e repasse para a Funai", afirma.
Uma aldeia de São Miguel do Iguaçu, citada por Serighelli, reflete a falta de terra: são cerca de 150 hectares para 76 famílias, ou seja, não resta nem meio hectare por família. "É um problema que precisa ser debatido. Entendemos que a questão não começou no nosso governo nem vai terminar no nosso governo, mas precisamos manter um diálogo pacífico e na medida do possível ajudar para as que coisas se resolvam", conclui o assessor.
Territórios indígenas
Há algum tempo os proprietários rurais e entidades contrárias à demarcação de terras indígenas apresentam um dado alarmante: 12,3% do território brasileiro seriam de terras indígenas. O antropólogo da Funai, Diogo Oliveira confirma o dado, mas detalha que nem todo este território está disponível para uso dos índios e principalmente que a distribuição não é homogênea. "Em metade destes territórios a posse ainda não é dos índios e 98% das terras estão na Amazônia, ou seja, no Paraná, ainda é preciso avançar muito quando o assunto é demarcação, especialmente para o povo guarani", afirma.
A vida na mata
Aldeia foi construída em uma clareira em meio à mata e guaranis afirmam que não precisam agredir a natureza.
Há um rio bem próximo ao local onde a aldeia está sendo construída aldeia. A água é usada para consumo e higiene.
Grupo mantém a cultura viva e quer viver em uma área que tenha mata fechada, como seus antepassados viveram.
http://cgn.uol.com.br/noticia/67970/indios-ocupam-parque-nacional
PIB:Sul
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