Mais duas pessoas presas na resistência à invasão de construtoras ao Santuário dos Pajés

Cimi - http://www.cimi.org.br/ - 10/11/2011
O conflito que se desenrola há mais de três meses na Terra Indígena Bananal - Santuários dos Pajés, Setor Noroeste, Brasília (DF), tem se tornado um retrato, em cores vibrantes, de como a Capital Federal chegou à situação onde os últimos governos simplesmente administram as vontades das construtoras em detrimento de direitos públicos e, no caso, da comunidade tradicional - respaldada pela Constituição Federal.

Nesta quinta-feira (10), durante a tarde, duas pessoas foram detidas e encaminhadas ao 2o Distrito Policial da Asa Norte acusadas de resistência e desacato pela Polícia Militar (PM). Ambas tentavam impedir a entrada de um caminhão em área invadida pela construtora Brasal. As detenções são frutos da decisão de um juiz de plantão da Justiça Federal no mínimo curiosa, mas suspensa na manhã desta quinta pela 2ª Vara da Justiça Federal de Brasília.

O juiz de plantão, no último domingo (6), deu sentença liberando as obras não só da construtora Emplavi, mas também Brasal e João Fortes nos lotes que as empresas dizem terem comprado da Terracap, dentro do Santuário dos Pajés. Não só isso: autorizou a PM a reprimir e prender quem impedisse a operação das construtoras, inclusive os indígenas - indo de encontro a Constituição Federal e ao Estatuto do Índio.

Com isso, surgiu um impasse: o despacho do juiz passou a conflitar com decisão anterior da desembargadora Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF-1), que só autorizava a construtora Emplavi a seguir com as obras dentro do Santuário dos Pajés. Na manhã desta quinta o Governo do Distrito Federal (GDF) mandou para o Santuário cerca de 800 policiais para garantir o cumprimento do despacho do juiz.


Audiência pública: Terracap e Funai ausentes

"É uma completa ilegalidade o que ocorre neste instante lá no Santuário. A decisão da desembargadora não pode ser descaracterizada por uma decisão de 1ª instância", denunciou Awá-Mirim Tupinambá durante Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados convocada para tratar do Santuário dos Pajés.

Justamente no dia da audiência as construtoras voltaram a operar dentro da Terra Indígena sob a proteção da PM e com base na decisão controversa do juiz de plantão da Justiça Federal - abarcada pelo GDF. O vice-presidente da comissão, Domingos Dutra (PT/MA), fez duras críticas a ausência de representantes do governo de seu colega de partido, Agnelo Queiroz. O deputado federal disse não aceitar que "um governo petista fuja de um debate tão importante para a sociedade brasileira".

Para Dutra, a postura apresentada pelo GDF o coloca como aliado das construtoras e que o envio da PM para cumprir a decisão do juiz de plantão não é mera medida administrativa, mas política e de opinião de governo. "O governador deve rever o que a Terracap fez em gestões anteriores porque se ela vendeu os lotes dentro da Terra Indígena ela fez errado e para atender interesses particulares", disse o deputado federal.

Representantes das construtoras também foram convocados, mas não compareceram. Dessa forma, a audiência tornou-se um espaço de denúncias e encaminhamentos para a Comissão de Direitos Humanos - que imediatamente se mobilizou para entrar em contato com o governador Agnelo e pedir que a operação desta quinta fosse suspensa no Santuário, pois estava completamente ilegal.


Laudo e manifesto: O Santuário Não Se Move!

Por mais que o GDF não reveja a venda ilegal dos lotes em terras do Santuário pela Terracap, cujo presidente que outrora fez as licitações de vendas hoje é advogado das construtoras, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem todos os argumentos necessários para publicar portaria da presidência do órgão montando Grupo de Trabalho (GT) para identificação e demarcação da Terra Indígena Bananal.

"Toda essa violência estava prevista. Falam em 4 hectares (Funai, construtoras) como o tamanho da Terra Indígena. Qual foi o trabalho de campo que definiu esse tamanho? Como chegaram a esse número não dizem", atacou Awá-Mirim. O indígena aponta que em 1996 um estudo de delimitação da área apontava para 41,815 hectares; agora, a Funai induziu a Justiça a dizer que o tamanho da terra é 4,1815.

"Temos manipulações evidentes. Jogaram a vírgula mais para um lado. Cadê a Funai para explicar isso? Depois de 1996, temos o estudo de 2003 e agora o de 2011. Todos apontam a terra como de ocupação tradicional e os dois últimos chegam nos 50 hectares que reivindicamos e vão até mais além", destacou Awá.

No início de setembro, foi apresentado ao órgão indigenista estudo preliminar - encomendado pela própria Funai por determinação judicial - em que fica atestada a ocupação tradicional em 50 hectares. A Funai fez questão de descaracterizar o estudo dizendo-o inconsistente. "A ocupação está atestada com mais de 50 anos, teve o estabelecimento de relações interétnicas, práticas de manejo ambiental. O laudo comprova tudo isso e atesta a tradicionalidade", disse o antropólogo do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB), Cristian Teófilo Silva.

Integrante da direção da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), ele lembrou que a organização emitiu nota desconstruindo o posicionamento da Funai contra o laudo. "Os antropólogos não são do governo, têm experiência e não defendem interesses de particulares. Comprovaram a tradicionalidade com métodos científicos", finalizou.

Com a ação das construtoras dentro da área, as provas que comprovam a tradicionalidade estão sendo perdidas. Para o pajé Santie Tapuia Fulni-ô, que vive no Santuário desde o final dos anos 1960, o maquinário não destrói apenas o território, mas a Constituição. "Milhares de indígenas morreram sem ver nossos direitos na Constituição e agora passam por cima disso como se fosse nada", lamentou.

Conforme o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, o que acontece pode ser verificado em todo país. Por essa razão, na última quarta-feira (9) foi lançado o manifesto Perversidade e Autoritarismo: Governo Dilma edita portarias de restrição e desconstrução de direitos territoriais indígenas e quilombolas.

"O governo federal toca um projeto de desenvolvimento que passa por cima de tudo: do meio ambiente, das pessoas, dos povos tradicionais. O manifesto tem como base um pacote de medidas e portarias do governo que atentam contra os direitos dos povos indígenas e quilombolas", frisou Cleber.

A liderança indígena da região amazônica, Álvaro Tucano, esteve na Audiência Pública. Reiterou seu apoio, já emitido num ritual feito no Santuário, e não poupou críticas ao governo Dilma Rousseff: "Nós nunca fomos tão perseguidos como neste governo. Temos indígenas que estão proibidos de entrar na Funai, eu sou um deles".


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PIB:Goiás/Maranhão/Tocantins

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