Na floresta, com renda e cidadania

O Globo, O País, p. 10 - 03/01/2010
Na floresta, com renda e cidadania
Experiência de exploração sustentável da madeira, porém, gera conflito com grupos indígenas

Catarina Alencastro
Enviada especial

No centro da nova fronteira agrícola da soja, a BR-163 - que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) - moradores de 25 comunidades tradicionais que vivem dentro de uma unidade de conservação no coração da Amazônia extraem da floresta renda e cidadania, sem ameaçar o meio ambiente. As comunidades montaram uma cooperativa e elaboraram um plano de manejo florestal sustentável, que, com o aval do Ibama e do ICMBio (órgão responsável por unidades de conservação), os permite explorar madeira de pequenas parcelas da floresta.

Mas a experiência, considerada pelo governo alternativa de sucesso a ser replicada na Amazônia, vem gerando um conflito.

Três das 25 comunidades pleitearam o reconhecimento da tradição indígena e contam com o aval da Funai para que duas parcelas da Floresta Nacional (Flona) de Tapajós - cenário do imbróglio - sejam convertidas em terras indígenas.

Caso isso aconteça, o projeto de manejo perderá ao menos um terço de sua área. Das 7 mil pessoas que vivem na Flona, apenas 300 seriam beneficiadas com o reconhecimento indígena.

Na legislação não há previsão para exploração madeireira em terras indígenas.

- As pessoas que estão melhorando de vida vão ter que voltar ao que era antes. A luta vai ser perdida - reclama Sergio Pimentel, presidente da Cooperativa Mista Flona Tapajós Verde (Coomflona), composta por três associações: Asmiprut, representando oito comunidades; Aita, que reúne nove comunidades, e Aprusanta, composta de outras três.

- Todos somos índios. A gente não quer voltar para as origens. Nós queremos andar para frente - diz Manuel Maria Xavier, um dos trabalhadores em manejo florestal.

Ainda no início deste mês, as associações das comunidades farão uma assembleia para decidir como evitar, na Justiça, a perda das áreas.

Para o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (órgão ligado ao governo federal responsável pela concessão de florestas públicas), Antônio Carlos Hummel, é preocupante o reconhecimento das áreas como terras indígenas.

- Seria muito ruim, principalmente agora que os manejadores estão ganhando renda. A Flona Tapajós é um dos poucos lugares na Amazônia onde conseguimos avançar nessa coisa do manejo. Isso não pode se perder - avalia.

A Flona, criada em 1974, teve o plano de manejo aprovado em 2005. A partir daí, as comunidades começaram a implementar o Projeto Ambé. No primeiro ano foram explorados cem hectares.

No ano seguinte, 300. Este ano foram 700 hectares, que renderam 13.450 metros cúbicos de madeira. Como a atividade acontece numa floresta pública, a venda do produto obedece a regras de uma licitação pública.

A vencedora do pregão foi uma madeireira de Santarém, que pagou R$ 197 por metro cúbico de madeira. As toras de Maçaranduba, Jatobá, Ipê e outras 25 espécies de madeira de lei foram cortadas e exportadas para a Europa, gerando R$ 2,7 milhões para os envolvidos no projeto. A exploração é feita por áreas demarcadas respeitando o tempo de recuperação de 30 anos.

Cada trabalhador recebe R$ 1.100 por mês
Trabalham na exploração da madeira 74 pessoas das comunidades que beiram o Rio Tapajós.

A gratificação mensal de R$ 1.100. O restante é usado para comprar equipamentos, pagar alimentação e implementar melhorias na região. Este ano, foram investidos R$ 80 mil na estrada que liga a BR-163 a algumas comunidades. Quem precisa ir até a cidade usa um ônibus.

O Projeto Ambé é uma das iniciativas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) já em prática no Brasil. Ganhou este ano o Prêmio Chico Mendes, do governo federal, na categoria Negócios Sustentáveis.

- O projeto pode ser considerado uma iniciativa REDD por ser uma atividade que você faz para promover o uso sustentável da floresta e reduzir o desmatamento - aponta Tasso Azevedo, assessor especial do Ministério do Meio Ambiente sobre mudanças climáticas.

Jeremias Batista Dantas, morador da comunidade de Pedreira, conta que a nova atividade mudou a vida das pessoas que moram na Flona Tapajós.

- Quem vivia na comunidade antes, se trabalhava bem, ganhava um salário mínimo. Quem está no manejo ganha o dobro. Antes, a garagem do projeto era cheia de bicicleta. Agora, tem moto - diz o rapaz de 23 anos, que é técnico florestal.

Raimundo Siqueira, identificador botânico, acredita que o manejo sustentável é a saída para preservar a floresta e garantir a permanência das comunidades.

- O caminho é esse. Temos que usar a floresta de um jeito que seja bom hoje, amanhã e para sempre - conta.

Ao todo, os trabalhadores das comunidades terão 31.560 hectares (5% da área da Flona) de onde poderão explorar, a cada ano, pequenos lotes. Depois, uma área de mil hectares será remanejada, num processo que derruba de 15 a 20 árvores a cada cinco hectares. O manejo, diz o chefe de Unidade do Distrito Florestal Sustentável, Fernando Ludke, é uma cópia da dinâmica natural da floresta. O presidente da Coomflona, que tem 170 membros, espera R$ 5 milhões com a venda da madeira em 2010. A renda de cada trabalhador pode chegar a R$ 1.500.
A repórter viajou a convite do Serviço Florestal Brasileiro


Da borracha saem bolsas e artesanato

Eleita pelo jornal inglês "The Guardian" a praia de rio mais bela do Brasil, a área na margem do Tapajós é o quintal da comunidade de Maguari, que vive da exploração da borracha e fabrica produtos de látex, como bolsas, sandálias, porta-moedas e peças de artesanato. Essa é uma das atividades não madeireiras da Floresta Nacional (Flona) de Tapajós, área de 600 mil hectares no coração da Amazônia.

Embora a fabriqueta seja a principal atividade das 64 famílias de Maguari, onde vive Igelcy Alves, garantido mesmo é o repasse do Bolsa Família, que beneficia 100% da população de 360 pessoas.

Isolada dos municípios que margeiam a BR-163, a vila recebe poucos turistas. Para que os produtos cheguem ao comprador, só por encomenda. Fora isso, os produtos são levados a duas feiras anuais - uma em Santarém (PA) e outra em Belém (PA). Este ano, tudo o que conseguiram vender gerou R$ 14,6 mil. Dinheiro que teve de ser usado para comprar material como zíperes e cordões, e repartido com os que trabalharam.

Biojoias feitas de sementes, polpas de frutas como o Cupuaçu e óleos coletados de plantas como a copaíba são fontes de renda. Só que a extração deste ano, um lote de 200 litros, já tinha comprador, mas por problema de documentação não pode ser entregue. Apesar da vida simples, quem vive ali não pensa em se mudar.

- Sair daqui jamais.

Só se for para Santarém e voltar no mesmo dia. Morar em Santarém é estar sujeito a ser roubado, ser atropelado. Aqui, se você não tem dinheiro, vai no rio e pesca um peixe para comer. Tem festa, futebol, divertimento - conta Alcinei Feitosa Rodrigues, de 33 anos.

Ele só estudou até a quarta série do primeiro grau, que era a última etapa de ensino disponível em Maguari. Agora, a escola vai até o fim do ensino médio e oferece aulas para adultos. Alcinei voltou à sala de aula, que funciona em uma cabana de madeira sem paredes.

Outra atividade dos ribeirinhos são as oficinas caboclas, onde móveis são fabricados com restos de madeira coletados na floresta - galhos que caem das árvores ou sobras de espécies que foram cortadas, mas que estão ocas e não servem para a indústria madeireira.

O Globo, 03/01/2010, O País, p. 10
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