20 anos do martírio das Lideranças Xakriabá

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Romaria marcará os 20 anos do martírio das Lideranças Xakriabá

Na noite do dia 11 de fevereiro de 1987, um grupo de grileiros da terra indígena Xakriabá, no
município de São João das Missões, norte de Minas Gerais, liderados por Francisco de Assis
Amaro, invadiu a aldeia Sapé. Por volta das duas horas da madrugada, arrombaram a casa do
vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira e iniciaram um tiroteio.
Rosalino, de 42 anos, e mais dois indígenas, Manuel Fiúza da Silva e José Pereira Santana,
foram brutalmente assassinados.

A esposa de Rosalino, Anísia Nunes, grávida de dois meses, foi ferida com um tiro no braço.
Seu filho, José Nunes de Oliveira, atual prefeito municipal, na época com 10 anos de idade, foi
obrigado a arrastar o corpo ensangüentado do pai, do quarto onde foi fuzilado à queima roupa.
//Segundo a tradição Xakriabá, Rosalino, José e Manuel foram sepultados próximos de suas
casas.

A chacina Xakriabá ganhou repercussão internacional e acirrou o conflito fundiário pela posse
do território indígena de 46.414 hectares,já demarcado em 1979 pela Funai.O
crime,considerado genocídio,foi resultado de um processo sofrido deste povo para reaver suas
terras,onde várias outras lideranças tombaram.Muitos desses crimes ficaram na impunidade.

Parte do grupo de 15 pistoleiros já foram julgados e condenados pela Justiça Federal.Após
cumprirem um terço da pena em regime fechado,já se encontram em liberdade nas cidades do
entorno da terra indígena.

O sangue generoso de Rosalino, derramado na terra-mãe Xakriabá, fez com que a luta não
parasse.Em 1989,a área foi homologada e mais de 90 famílias de posseiros foram retiradas da
área indígena.

Nos dias 11 e 12 de fevereiro de 2007, o povo Xakriabá juntamente com o Cimi Leste, o
movimento indígena, com o apoio da Prefeitura Municipal de Missões e os aliados da causa
indígena, realizam a "Romaria dos Mártires da Terra Xakriabá". Espaço para celebrar e
fortalecer a luta, de fazer memória aos que doaram sua vida e de projetar novos caminhos
para construção da autonomia.

O Rosalino falou:
"Eu prefiro ser adubo mas sair daqui não vou." Ele morreu pra ser adubo Pra justiça da fulô.
(Domingos Nunes)

Atualmente a população Xakriabá, de oito mil indígenas,é liderada por um dos filhos de
Rosalino, Domingos Nunes de Oliveira, que tem como desafio continuar a luta de seu pai pela
garantia e posse de suas terras. A atual área Xakriabá corresponde apenas a um terço do
território original.

Em maio de 2003, foi homologada a terra Xakriabá de Rancharia, com 6.798 hectares.Várias
aldeias vêm se mobilizando para ampliação dos limites da atual área,e,em maio de 2006, um
grupo de 39 famílias Xakriabá, que moravam na sede do município de São João das Missões,
retomou a região do Morro Vermelho e lutam pela regularização desta área.

Apesar de viverem hoje com mais liberdade, o povo Xakriabá enfrenta vários desafios,
sobretudo aqueles ligados à sustentabilidade e à melhoria da qualidade de vida. Sua produção
de alimentos está condicionada ao ciclo das chuvas, escassas na região. Muitos são obrigados
a buscar outras frentes de trabalho nas fazendas da região ou em canaviais de São Paulo e
Mato Grosso do Sul.

Segundo o cacique Domingos, a atual área também já é insuficiente para dar condições de
trabalho para todas as famílias, considerando que há um crescente aumento populacional.

Como os demais povos indígenas, os Xakriabá vivenciam os problemas decorrentes da falta de
uma política indigenista que leve em conta a sua especificidade cultural, o atendimento
diferenciado nas áreas de saúde, educação, gestão ambiental e de apoio as iniciativas
produtivas.

O Legado de um Líder
Os Xakriabá representam 70 %do eleitorado do município de São João das Missões. Com o
processo de fortalecimento da organização interna, decidiram influenciar diretamente nos
rumos políticos do município. No último pleito, elegeram o primeiro prefeito indígena de Minas
Gerais, o filho de Rosalino, José Nunes de Oliveira e mais quatro vereadores Xakriabá para a
Câmara Municipal.

Segundo José Nunes "essa iniciativa nasceu de uma necessidade, porque a gente vem
sofrendo muita discriminação e descaso da atual administração que apoiamos em duas
eleições."

José Nunes vem desenvolvendo o seu trabalho na prefeitura tendo como inspiração a luta de
seu pai. Rosalino era um homem que exercia forte liderança a partir de um diálogo intenso
com as comunidades, com a convicção dos seus direitos e animação do povo.

O povo Xakriabá,com mais de 25 aldeias,participa ativamente do movimento indígena e busca
por meio da participação das comunidades a organização política para enfrentar os sérios
problemas sociais.

Para Domingos Nunes, cacique Xakriabá, a luta é constante. Além do problema fundiário e da
falta de recursos por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), as famílias sofrem muita
dependência externa, sobretudo no período da seca."Assim como foi o 1 o Mutirão dos Povos
do Leste, realizado em outubro de 2003 na área Xakriabá, esperamos que este momento da
Romaria seja também voltado para animar ainda mais a participação do nosso povo,sobretudo
na valorização da cultura," disse confiante Nunes.

O conflito envolvendo o Povo Xakriabá no Norte de Minas Gerais, que em 2007 completa 20
anos, foi resultado da disputa fundiária envolvendo índios e posseiros. De acordo com os
relatórios do Cimi,"os posseiros indispostos com os índios abandonavam as terras e os grileiros
se apoderavam delas, vendendo-as tempo depois para grandes fazendeiros,que ampliavam
suas propriedades."

Rosalino Gomes de Oliveira, uma das principais lideranças do povo, foi brutalmente
assassinado em sua residência enquanto dormia, juntamente com dois índios, na madrugada
do dia 12 de fevereiro de 1987.

Segundo relatos do inquérito, um grupo de cerca de 15 homens entrou na reserva Xakriabá,
deixando o caminhão estacionado cerca de 2 km da aldeia Sapé, onde morava Rosalino e sua
família. Para que não houvesse como Rosalino escapar, eles se dividiram em dois grupos: um
atacou pela porta da frente da casa e outro pelo fundo. No tiroteio morreu também Agenor
Nunes de Macedo, do grupo dos grileiros.

O julgamento realizado pela Justiça Federal em Belo Horizonte em setembro de 1988,
condenou os matadores a 81 anos de prisão.O grileiro Francisco de Assis Amaro recebeu a
maior pena: 27 anos.Germano Gonçalves foi condenado pelo assassinato e recebeu a pena de
20 anos e seis meses, Roberto Freire Alkimim e Sebastião Vidoca a 12 anos, Claudomiro
Vidoca foi condenado a 2 anos e seis meses. Além de crime de genocídio,os assassinos foram
condenados pelos crimes de lesões corporais, invasão de domicílio e formação de bando ou
quadrilha.Após cumprirem um terço da pena em regime fechado, todos se encontram em
liberdade.

Rosalino deixou viúva Anísia Nunes de oliveira e seus seis filhos: Otelício, Valdir, Domingos
(atual cacique), José Nunes (Prefeito de Missões), Rosalina e Roseane, que vivem na aldeia do

Brejo Mata Fome.
A liderança de Rosalino foi construída a partir da disposição do seu povo em não abrir mão de
suas terras.Para iniciar o processo de demarcação, as aldeias buscaram, nos anos 1960, o
diálogo com a Funai em Brasília. Neste período, acirrou a disputa entre índios, posseiros e o
estado de Minas.

O contexto da ditadura militar, a negação dos direitos indígenas, as perseguições, a falta de
terras para viver, foram determinantes para a formação de Rosalino. Através da participação
em encontros do Cimi, do movimento indígena, da sociedade civil, das CEB 's, ele foi se
afirmando e assumindo a frente da luta. Importante destacar o papel de dona Ercina Gomes de
Oliveira, sua mãe e grande conhecedora dos segredos do povo. Dona Ercina, hoje com mais de
100 anos, está lúcida e é uma referência para os Xakriabá.

A terra foi determinante para a vida de Rosalino. Segundo a pesquisadora Suzana Escobar, "a
terra para os Xakriabá representa sua própria vida, uma extensão do seu corpo material e
espiritual. A terra não é vista de forma utilitária ou como patrimônio material. O trabalho
desenvolvido na terra é parte de uma relação de reciprocidade entre os seres da natureza em
que ela não é um objeto onde se realiza o trabalho, ela é um dos sujeitos dessa relação. A
ameaça à terra,portanto, é ameaça à própria vida e esse foi o sentimento que inspirou e
motivou a luta pela terra.

O Xakriabá Antônio Pereira Lopes, conhecido como Antônio Coco, lembra do amigo como um
homem corajoso "Ele não tinha medo de nada.Quando convocava uma reunião, ninguém
conseguia ficar em casa ".

A lembrança que Domingos, 32 anos, filho de Rosalino e atual Cacique, guarda do pai é de um
homem muito alegre e carinhoso com sua família. "Na comunidade fazia questão de repassar
as informações, ouvir a opinião de todos. Quando ia para as batalhas cantava e animava. Tudo
o que eu aprendi foi na época do meu pai, o tempo que vivi com ele. Seu sonho era ver a terra
livre," destaca Domingos.

Romaria dos Mártires da Terra Xakriabá
Dias 10 e 11 de fevereiro de 2007
Aldeia Brejo do Mata Fome
São João das Missões - MG
Dia 10 de fevereiro - Sábado
Assembléia do povo Xakriabá
Celebração de abertura - rituais indígenas e saudação dos povos e das comunidades
Apresentação dos Mártires Xakriabá
Painel 01: A luta do povo Xakriabá na luta pelo seu território e afirmação da sua identidade
étnica (1970 a 1987).
Painel 02:20 anos depois - Contexto político atual da luta do povo Xakriabá no cenário
indígena do Brasil - Desafios e perspectivas para a autonomia.
Testemunhos
Aprovação de documento final
Celebração dos mártires e do compromisso
Exibição do documentário "Mártires da terra - A luta não foi em vão".
Dia 11 de fevereiro -Domingo
4h30 - Alvorada -Celebração da esperança (a madrugada anuncia a chegada da aurora - a
nova terra, o novo homem/mulher) com saudação do dia que chega.Acolhida da cruz dos
mártires
8h - Acolhida dos romeiros - cantos,,danças e rituais indígenas
9h - Teatro "Peleja Xakriabá "
10h - Início da caminhada - Tema: Terra Mãe - fonte de vida
15h - Celebração ecumênica
16h - Despedida dos romeiros
FONTE: www.cimi.org.br em 23/01/2007
PIB:Leste

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