Muvuca não é bagunça: técnica transforma reflorestamento no país

UOL/Ecoa - https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/10/10 - 10/10/2022
Muvuca não é bagunça: técnica transforma reflorestamento no país

Juliana Domingos de Lima

Setembro no Médio Xingu, estado de Mato Grosso. Um grupo de pessoas caminha na floresta junto das yarang, respeitado grupo de mulheres do povo indígena ikpeng que coletam sementes de espécies nativas. Em seguida, uma enorme quantidade de sementes da Amazônia de diferentes cores e formas é espalhada sobre uma lona, na terra batida da aldeia Moygu. É o princípio do que, por ali, se chama de muvuca.

Mas, quando falam de muvuca, essas pessoas não estão se referindo a um amontoado de pessoas ou a uma bagunça, mas a uma mistura de sementes nativas e adubação verde que já recuperou aproximadamente 9 mil hectares de vegetação nativa no país com pelo menos 27 milhões de árvores.
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A palavra ganhou um significado novo no mundo da restauração ecológica nos últimos anos. Isso quer dizer que ela pode ajudar o Brasil a emitir menos gás carbônico e a diminuir o aquecimento global, mas a técnica ainda enfrenta resistência de algumas pessoas por ser pouco conhecida.

A gente ainda não conseguiu ter um projeto bem grande de muvuca aqui na nossa região porque nossos clientes não acreditam muito. Por incrível que pareça, tem hora que o nome atrapalha, principalmente com o pessoal mais caxias Pedro Matarazzo, sócio da empresa Da Serra Ambiental
Uma floresta nova em três anos

Na muvuca, em vez de cultivar mudas em uma estufa por meses e plantá-las "crescidinhas", as sementes são plantadas direto no chão. Isso deixa as jovens plantas mais "casca grossa". A técnica traz vantagens, como resistência maior à seca por parte das plantas e a recuperação mais imediata do solo, protegido pela cobertura vegetal que cresce rapidamente.

Segundo uma estimativa da ONG Rede de Sementes do Xingu, 80 quilos de muvuca espalhados em um hectare fazem brotar uma floresta de 4 mil árvores em três anos.

Atualmente, a técnica tem se espalhado e divide espaço com o reflorestamento convencional, feito com o plantio de mudas. Segundo seus defensores, é uma alternativa barata e eficaz para a restauração de diferentes biomas.

A empresa Da Serra Ambiental, de Joanópolis (SP), executa projetos de restauração para clientes como Aeroporto de Guarulhos e Ecourbis (concessionária responsável pela coleta seletiva da região sudeste da capital paulista) desde 2012. Eles começaram a fazer testes com muvuca há cerca de três anos.

montagem - André Crispin - André Crispin

Passo a passo da muvuca em área restaurada pela Da Serra Ambiental em Piracaia (SP)
Imagem: André Crispin

Atualmente, a Da Serra está indo para seu quarto plantio de muvuca, todos realizados para a Piratininga - Bandeirantes Transmissora de Energia. A maior parte dos 550 hectares com projetos em andamento pela empresa, porém, ainda são restaurados com mudas. Eles estão em 20 municípios do estado de São Paulo.

"A gente espera aumentar bem o volume de muvuca nos próximos anos", disse a Ecoa o engenheiro agrônomo Pedro Matarazzo, um dos sócios da empresa. "O que a gente tem feito muito é agregar os dois tipos de plantio".

Essa complementaridade é necessária: do conjunto de espécies de árvores do Brasil, aproximadamente metade tem sementes que podem ser coletadas e armazenadas para se plantar em um outro momento. São essas as que podem entrar na muvuca.

"Os viveiros [de mudas] sempre vão ter essa função de incluir as outras tantas espécies da flora. E das espécies de valor econômico, grande parte tem que ser plantada por muda: café, cacau, cupuaçu, castanha-do-Pará, seringueira", explica o especialista em restauração do Instituto Socioambiental (ISA) Eduardo Malta.
Muvuca mecanizada

A prática de misturar sementes de várias espécies e plantá-las diretamente do solo vem da agrofloresta, sistema que associa árvores e culturas agrícolas, trazendo benefícios econômicos e ambientais. Milhares de iniciativas no Brasil hoje produzem e restauram com agroflorestas: somente no bioma amazônico são mais de 1.600, segundo a Aliança pela Restauração da Amazônia.

Em 2007, a muvuca começou a ser aplicada pela então recém-criada Rede de Sementes do Xingu, organização que hoje já restaurou 7,4 mil hectares de área. De acordo com a Rede, a opção por esse tipo de plantio se deu por razões sociais e econômicas: ela favorece a geração de renda, a autonomia e o conhecimento de coletores de sementes nativas, tem um transporte simples e barato e não exige muito esforço extra de manutenção.

Osvaldo Luis de Sousa, "agrofloresteiro" e discípulo do suíço Ernst Gotsch, teria sido o responsável por introduzir a muvuca no Xingu, onde ela se aprimorou com os conhecimentos de indígenas e produtores rurais.

Segundo o especialista do ISA Eduardo Malta, que trabalhou ao lado de Osvaldo nesse processo, os indígenas do Xingu já plantavam pequi, murici e mangaba por semeadura direta. Já alguns fazendeiros foram testando uma "muvuca mecanizada" com equipamentos como a plantadeira de soja.

"Plantar árvore sem fazer muda no viveiro é uma coisa que os indígenas dominavam e gostavam, já era uma tecnologia deles. Mas era uma espécie por vez. Essa coisa de reunir esse monte de semente pra plantar de uma vez a gente trouxe da agrofloresta.", conta Malta.

Entre 2014 e 2015, o uso da muvuca começou a sair da região do Xingu e se espalhar para outras áreas do país. Até então, de acordo com Malta, a parcela de restauração feita com semeadura direta ainda era pequena.

Hoje já se sabe que ela funciona bem no Cerrado, na Mata Atlântica e na Amazônia e também tem tido bons resultados no Pampas, na Caatinga e no Pantanal.

"Quem a gente mais bate na porta são empresas que prestam serviço de restauração, que tem clientes como Sabesp, Cetesb, fazendeiros. Hidrelétrica, mineração, ferrovia, rodovia, são obrigadas a fazer restauração todo ano, a gente fica tentando convencê-los a experimentar com muvuca", diz Malta.
Bagunça organizada

Apesar de parecer "bagunçada", a muvuca exige planejamento para dar certo. As espécies são escolhidas de acordo com o ecossistema em que as sementes serão plantadas.

Sua proporção segue um planejamento por fases sucessionais, ou seja, com espécies que se desenvolvem mais rápido e mais devagar, que vivem menos e mais, e que cumprem funções determinadas em diferentes períodos do desenvolvimento do plantio.

Segundo Malta, uma plataforma que ainda está em desenvolvimento pela iniciativa Caminhos da Semente deverá automatizar esses cálculos para tornar o planejamento da muvuca mais fácil e acessível a qualquer um que queira utilizá-la.

No site da organização, já é possível consultar a lista de espécies adequadas para a semeadura direta de acordo com o estado e o tipo de vegetação. Há ainda empresas que podem ser contratadas para realizar o plantio, como é o caso da Da Serra Ambiental.

*A repórter viajou a convite da Rede de Sementes do Xingu e do Instituto Socioambiental.


https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/10/10/ja-ouviu-falar-em-muvuca-tecnica-esta-mudando-forma-de-reflorestar-no-pais.htm
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