Único da turma, indígena cursa direito na Bahia para tentar ajudar comunidade: 'Necessidade da luta pelo meu povo'

G1 http://g1.globo.com/ - 19/04/2018
O estudante de direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Kâhu Pataxó, de 27 anos, saiu da aldeia Coroa Vermelha, na cidade de Santa Cruz Cabrália, na região da Costa do Descobrimento, no extremo sul da Bahia, para estudar em Salvador e tentar ajudar seu povo na luta por direitos. Ele conversou com o G1 nesta quinta-feira (19), Dia do Índio.

Ele conta que é o único indígena da turma que faz parte na graduação de direito. Já no curso, são cerca de sete alunos indígenas no total.

A universidade reserva duas vagas em cada curso, em todas as seleções, para estudantes oriundos de quilombos ou de aldeias indígenas, além da reserva de 50% para alunos egressos de escolas públicas, da Lei Federal de Cotas (No 12.711).

"Estou fazendo direito pela necessidade da luta pelo meu povo. A maioria dos estudantes indígenas têm um propósito coletivo. É uma estratégia dos povos para que a gente tenha o conhecimento não indígena e colaborar o quanto pode"

Para ele, a reivindicação primordial é a demarcação de territórios, além dos direitos por saúde e educação.

Para sair da aldeia, a decisão também não foi só dele. Kâhu conversou com lideranças indígenas e com a família, que o apoiaram a tomar a decisão de sair da aldeia para a capital baiana.

"A gente já nasce na comunidade sabendo que tem compromisso com o coletivo. Então fica fácil para a gente saber que tem que passar por dificuldades para seguir"



A trajetória de Kâhu começa na cidade de Prado, onde nasceu na aldeia de Águas Belas. A família dele decidiu mudar para aldeia de Coroa Vermelha porque a região era mais próxima de escolas. Ele foi o primeiro da família, entre os pais e irmãs, que saiu da comunidade para estudar em uma universidade.

Para o estudante, a adaptação de viver em Salvador, longe da comunidade onde cresceu, também foi complicada. "Nos primeiros seis meses, eu fiquei muito abalado. Tive que retornar um período para comunidade e depois voltar para Salvador", relata.

"É muito complicado para a gente ficar afastado da nossa comunidade por muito tempo"

Ele conta que também teve que lidar com o preconceito por parte dos colegas, que tinham uma ideia limitada sobre os indígenas. "Uma parte achava curioso, mas com uma visão preconceituosa, como se a gente fosse um povo antigo. Como se, depois que a gente usa roupa não indígena, a gente deixasse de ser indígena", afirma.

Ele se mudou para a capital baiana junto com a esposa, que também entrou na universidade, e deixou os filhos em Santa Cruz Cabrália para crescerem dentro da comunidade.

"Meus filhos moram na aldeia, porque se eles fossem para a cidade, perderiam a vivência com a comunidade e acabariam perdendo a identidade"

Indígenas nas universidades

O G1 fez um levantamento sobre a presença de indígenas nas universidades públicas baianas, depois da Lei Federal de Cotas (No 12.711), que vigora há cinco anos no país.

Quando sancionada, a Lei Federal de Cotas definiu que, em um período de quatro anos, até agosto de 2016, metade das matrículas nas universidades e institutos federais deveriam atender a critérios de cotas raciais e sociais, inclusive indígenas. Os demais 50% das vagas permaneceriam para ampla concorrência.

Confira abaixo os detalhes:

Uneb

De gestão estadual, a Universidade Estadual da Bahia (Uneb) não deve obedecer a Lei das Cotas. No entanto, desde 2007, reserva 5% de sobrevagas aos candidatos indígenas, oriundos de escolas públicas, em processos seletivos de graduação e pós-graduação.

A instituição divulgou dados sobre a presença de indígenas nas universidades dos últimos três anos. Em 2014, a universidade tinha 269 alunos indígenas, do total de 21.511discentes. Em 2015, 234 indígenas, do total de 21.899. Em 2016, eram 216 estudantes indígenas, do total de 21.224.
Uefs

Também em 2007, aconteceu o primeiro processo seletivo com base na política de cotas e reservas de vagas na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

São reservadas 50% das vagas em todos os cursos para estudantes oriundos de escola pública. Dentre estas, são 80% para negros, 20% para não-negros, além de duas vagas extras por curso destinadas a indígenas e quilombolas.

Os alunos precisam ter estudado em escolas públicas, morar em aldeia, declarar-se indígena e, por último, ter uma declaração da comunidade reconhecendo o candidato enquanto membro da aldeia.
UFRB

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) oferta vagas para indígenas por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Na reserva de 50% de vagas para alunos de escola pública, 76,53% são para autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

Há também na UFRB o processo seletivo especial para quilombolas e indígenas e aldeados, que ocorre semestralmente, com a oferta de até duas vagas por curso. Todos os estudantes indígenas da UFRB estão vinculados ao Programa de Bolsa Permanência do MEC.

Antes da Lei das Cotas, a universidade tinha cinco alunos indígenas matriculados. Destes, apenas dois concluíram o curso e os outros três canceram a matrícula na instituição.

A partir de 2013, quando passou a vigorar a legislação, 54 indígenas ingressaram na universidade. Destes, estão 36 estão ativos. Outros 15 tiveram a matrícula cancelada, 2 já se formaram e um consta apenas como cadastrado. Atualmente, são 12.345 alunos no total, entre indígenas e não indígenas, com matrícula ativa na UFRB.
Ufob

A Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob) implementa a política de cotas para indígenas também por meio do Sisu, mas não tem nenhum estudante autodeclarado indígena atualmente.

Univasf

A Universidade do Vale do São Francisco (Univasf) informou que, de 2013 a 2017, após a Lei de Cotas, ingressaram 35 alunos que se autodeclararam indígenas na instituição. A instituição não tem os dados de alunos antes de a legislação entrar em vigor.

Até a publicação desta reportagem, a Universidade Federal da Bahia (Ufba), Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) e Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) não responderam aos questionamentos do G1 a respeito de alunos indígenas e aplicação da lei de cotas nas instituições.

*Colaborou com a reportagem o estagiário Ivis Barboza.


https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/unico-da-turma-indigena-cursa-direito-na-bahia-para-tentar-ajudar-comunidade-necessidade-da-luta-pelo-meu-povo.ghtml
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