Índios isolados: é hora de rever a política do não contato?

Opinião & Notícia opiniaoenoticia.com.br - 27/07/2016
A Funai foi parar no New York Times, Guardian e outros grandes jornais estrangeiros após servidores do órgão divulgarem uma carta aberta criticando dois antropólogos americanos que defenderam uma mudança na atual política brasileira de não fazer contato com tribos isoladas da bacia amazônica.

O Brasil tem a maior concentração conhecida no mundo de povos indígenas isolados. A Funai reconhece a existência de 110 registros, sendo 25 confirmados.

A carta da Funai, divulgada no mês passado, foi uma resposta tardia a um editorial publicado na revista Science, em junho de 2015, pelos antropólogos Kim Hill, da Universidade Estadual do Arizona, e Robert Walker, da Universidade do Missouri, no qual eles argumentam que o contato controlado e permanente com populações isoladas, feito de forma planejada e com a participação de equipes médicas e tradutores, é a única maneira de salvar esses povos da extinção.

A Funai rebate que não há controle absoluto em qualquer intervenção de contato e que a maior ameaça aos índios isolados está relacionada ao contágio de doenças infectocontagiosas, já que esses indivíduos não têm imunidade contra doenças simples, como a gripe.

"Sentimo-nos impelidos a expressar aqui nosso desacordo em relação às interpretações expostas por alguns antropólogos, especialmente aquelas publicadas ano passado em editorial da revista Science, em que defendem o "contato controlado" como única e possível estratégia para proteção destes povos. Acreditamos que este tipo de interpretação desconsidera a autonomia dos povos isolados em decidir sobre seus próprios processos de vida e, portanto, deve ser problematizada", diz a Funai.

Já Hill e Walker argumentam que a política do não contato, defendida não somente pelo Brasil mas pelos governos do Peru e Colômbia, com respaldo da ONU, se baseia no pressuposto de que tribos isoladas são saudáveis e capazes de sobreviver a longo prazo, apesar de enfrentarem crescentes ameaças externas.

Em março deste ano, Hill e Walker publicaram um estudo na revista científica PLOS One em que usaram dados de satélite para monitorar o tamanho de áreas desmatadas para plantações por oito grupos isolados da bacia amazônica ao longo dos últimos 10 a 14 anos. O estudo comprovou a existência de apenas uma tribo isolada com população aumentada ao longo dos anos, enquanto os outros sete grupos diminuíram.

"Os resultados indicam que os grupos menores estão criticamente em perigo, por isso é preciso repensar urgentemente as políticas para populações isoladas, com contatos bem planejados que possam ajudar a salvar as populações indígenas isoladas da extinção iminente", dizem.

Baseando-se em entrevistas com grupos indígenas contatados, eles apontam que esses grupos optaram pelo isolamento por medo de serem mortos ou escravizados e que, na verdade, queriam produtos, ferramentas e interações sociais positivas com seus vizinhos. Segundo eles, a maioria escolheria o contato se tivesse todas as informações.

"Uma vez que se estabelece um contato pacífico e constante, fica muito mais fácil proteger os direitos dos nativos do que o de populações isoladas. Deixar grupos isolados e expostos a interações perigosas e descontroladas com o mundo exterior é uma violação da responsabilidade governamental", acrescentam.

O Brasil e a defesa do 'não contato'

Nas décadas de 1970 e 1980, a Funai adotava uma política de "atração de índios isolados" que foi desastrosa para os povos indígenas, provocando grandes perdas populacionais e, em alguns casos, até o extermínio de grupos inteiros em decorrência de surtos epidêmicos. A atual política do não contato foi adotada em 1987, sob o argumento de que a situação de isolamento dos índios era voluntária e que, portanto, era preciso "respeitar a autodeterminação desses povos".

Para provar que sua atual política funciona, em sua carta aos antropólogos a Funai cita cinco tribos isoladas que tiveram suas populações aumentadas nos últimos 30 anos: os povos que habitam as Terras Indígenas Massaco (RO), Vale do Javari (AM), Kawahiva do Rio Pardo (MT), Hi-Merimã (AM) e Kaxinawa do rio Jordão (AC).

Procurado pelo Opinião e Notícia, o antropólogo Kim Hill questiona os dados apresentados pela Funai: "Esses são cinco exemplos escolhidos a dedo e mesmo assim eu vou contestar alguns deles. Concordo que os Kaxinawa estejam crescendo - imagens de satélite mostram isso com certeza -, mas esse é o único grupo que estou convencido de que está crescendo. Estou chocado que eles colocaram os Kawahiva do Rio Pardo como um "bom" exemplo. Nosso estudo indica que há apenas um pequeno bando deles. Infelizmente, este é o cenário mais comum para populações nessa situação: são minúsculas e sofrem um risco extremamente elevado de extinção".

Para Hill, não fazer contato é garantir confrontos esporádicos e desastrosos entre índios e seringueiros, madeireiros, garimpeiros, traficantes e muitos outros agentes externos que invadem as reservas indígenas, se aproveitando da total ausência do Estado.

Subordinada ao Ministério da Justiça, a Funai reconhece que precisa se reorganizar para a possibilidade de aumento de situações de contato no futuro, mas a falta de verbas e de recursos humanos dificultam qualquer mudança na sua metodologia. Em 2016, o orçamento da Funai foi de R$ 653 milhões, 23% a menos do que em 2015, o maior corte anual em dez anos. O órgão atua com 36% da sua capacidade total de servidores, atualmente. Realizou, em 2011, 227 ações de fiscalização, mas apenas 92 em 2014.

Para piorar, a Funai está sem presidente desde o início de junho, após a mudança no Palácio do Planalto.

Os territórios indígenas somam 110 milhões de hectares, ou 13% do território nacional. Para realizar ações de proteção de povos isolados nesses territórios, a Funai conta com apenas 12 frentes de proteção etnoambiental.



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