O que tem gerado conflito é o agronegócio

CB, Brasil, p. 12 - 24/09/2008
"O que tem gerado conflito é o agronegócio"

Entrevista - Márcio Augusto Meira

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Augusto Meira, acredita que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem colocar hoje um ponto final na ação movida pelo órgão federal pedindo nulidade de títulos de propriedade de terra concedidos pelo estado da Bahia a fazendeiros na área que os pataxós-hã-hã-hãe reivindicam como indígena. Em entrevista ao Correio, Meira considera o direito dos índios "inquestionável". Para Meira, uma decisão favorável à comunidade indígena pode servir de parâmetros para derrubar outros questionamentos, como a ação contrária à demarcação contínua da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. "É essa leitura da Constituição que a gente espera do Supremo", afirmou. Meira atribui ao agronegócio os conflitos em terras indígenas no Brasil. "O que tem gerado conflito e prejudicado áreas indígenas é o agronegócio, com produção de monoculturas como soja e cana-de-açúcar para exportação", ressaltou. Antropólogo de formação, na década de 1990 Meira participou da elaboração de laudos antropológicos sobre terras indígenas do Baixo Rio Negro, no Amazonas e, em 1996, da demarcação do Médio Rio Negro.

Qual a expectativa em relação ao julgamento?

O processo histórico de ocupação dos pataxós-hã-hã-hãe em Ilhéus e Pau Brasil é bem documentado. A Funai fez estudo de identificação dessas áreas e esperamos que a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se paute pelos direitos constitucionais dos índios.

A questão está há 26 anos no STF. Antes não houve atenção aos direitos indígenas?

Existe uma situação de disputa pela terra. Os interesses fundiários contrários aos índios levaram a essa longa disputa.

Uma decisão favorável aos índios pode servir para outras ações no Supremo que questionam demarcações indígenas?

Sim. Tanto neste caso quanto no da Reserva Raposa Serra do Sol foi feito um estudo detalhado histórico e antropológico que demonstra que em ambos os casos os índios têm direito a uma área definida. É essa leitura da Constituição que a gente espera do Supremo.

A identificação como indígena é questionável?

O reconhecimento é definido pela Constituição, a lei indigenista de 1973 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. Além de se auto-declarar como índio, a pessoa tem que ser reconhecida pela comunidade dele e esse povo tem que ter vínculo histórico com antepassados pré-colonais. Esses três elementos são chaves para a identificação.

Esse procedimento não dá margem para um não-indígena se auto-declarar índio?

Não há impedimento para que uma família de quilombolas ou colonos seja integrada por um povo se ela participa dos usos, costumes e tradições. Na Amazônia, há casos de famílias de negros que foram integradas a uma comunidade. Inclusive se enquadram na relação de parentesco.

Como conciliar demarcação de terra indígena e desenvolvimento agrícola no Brasil?

É só respeitar a lei. O país tem terras agricultáveis suficientes para que a gente possa ter uma produção agrícola importante e tem como fazer isso sem precisar invadir e ocupar terras indígenas. A tecnologia permite ganho de produtividade em áreas menores. A agricultura familiar produz 70% dos alimentos que a população brasileira consome. O que tem gerado conflito e prejudicado áreas indígenas é o agronegócio, com produção de monoculturas como soja e cana-de-açúcar para exportação, principalmente.

Os conflitos no sul da Bahia já deixaram 20 mortos, segundo os indígenas. Em quais outras regiões do país a Funai considera a situação de violência crítica?

O povo truká, em Pernambuco, e os guaranis, em Mato Grosso do Sul, onde o agronegócio está mais presente.

Na agricultura familiar, o tamanho da propriedade é em torno de 15 hectares por família. É possível usar o mesmo critério para demarcações indígenas?

A terra indígena tem estatuto jurídico diferente. Não é a mesma coisa que reforma agrária. Eles são índios e não sem-terra ou camponeses.

CB, 24/09/2008, Brasil, p. 12
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