Professora indígena assume coordenação de ensino

A Tarde - 23/07/2007
Carência de material didático adequado, falta de estrutura nas salas de aula e irregularidade no fornecimento da merenda escolar. Esses são alguns dos problemas que compõem o cenário encontrado pela nova coordenadora de educação indígena do Estado. Primeira índia a ocupar a função em todo o país, Rosilene Cruz de Araújo, conhece de perto as
dificuldades enfrentadas pelos mais de seis mil índios que freqüentam o ensino público na Bahia.

De acordo com Rosilene, sua nomeação atende a uma antiga reivindicação dos 13 povos indígenas atualmente reconhecidos no Estado. Desde que o programa de educação foi implantado, há quatro anos, representantes
das aldeias pedem para que o cargo seja entregue a um legítimo representante desta cultura. Foi para atender a essa demanda que a índia tuxá saiu do município de Rodelas (a 540 km de Salvador) para morar na capital baiana.

"Vemos como um grande avanço para a educação indígena, com o surgimento de novos paradigmas", considera Rosilene. Graduada em história e ciências naturais e pós-graduada em história do Brasil, ela acredita que a grande vantagem da mudança é a maior facilidade de diálogo com os diversos povos. Apesar de nomeada há menos de um mês, a coordenadora já percebeu que os trâmites burocráticos do governo são bastante complicados.

Por conta disso, sabe que algumas mudanças demoram para serem efetivadas, o que nem sempre é compreendido pelos solicitantes.

"A compreensão será maior quando um problema não puder ser resolvido rapidamente, pois será um índio quem estará explicando as limitações". Sua expectativa é que as negociações sejam cada vez menos tensas, tendência que identificou já no começo dessa gestão do governo estadual. "Antes havia uma resistência muito grande".

EXPANSÃO - A tendência em abrir espaço para que o povo indígena faça a gestão do programa escolar é reforçada pela nomeação de técnicos índios para seis Diretorias Regionais de Educação (Direcs). O conjunto de medidas vai ao encontro das recomendações da Funai (Fundação Nacional do Índio) de busca contínua de inserção dos representantes
indígenas no processo de legitimação e consolidação dos seus direitos, como determinado na Constituição Federal.

Apesar da expectativa de que este novo perfil acelere a obtenção de ganhos como a permanência dos professores nas escolas e maior oferta de formação dos docentes - tanto no magistério quanto no ensino superior -, Rosilene destaca o trabalho que vinha sendo realizado desde a implantação.

Atualmente, a Bahia tem 59 escolas indígenas, entre estaduais, municipais e comunitárias. Quando a coordenadoria foi montada, existiam apenas 22 unidades cadastradas nacionalmente como voltadas especialmente para esse público. O cadastramento é o que garante repasse de recursos do governo federal, principalmente, para a compra de material didático e merenda escolar.

As escolas estão espalhadas em 21 municípios e muitas delas funcionam em espaços improvisados, com apenas quatro unidades funcionando em prédios considerados ideais. Como as aldeias são bastante extensas, o ideal é que existam vários núcleos de ensino para não obrigar os estudantes a grandes deslocamentos a pé. Além de todos os problemas
estruturais, a ex-coordenadora Suzana Martins destaca outro grande desafio para este programa de educação: a definição e consolidação do modelo pedagógico adequado.

Suzana acredita que é preciso conciliar o conhecimento acadêmico e a cultura de cada um desses povos, que têm características específicas.

"A educação tem de ser trabalhada sem provocar a perda de identidade, valorizando os saberes populares, sua forma de sustentação, seus rituais, sua organização social", diz. É exatamente isso que a nova coordenadora espera reforçar, usando sua vivência para encontrar os meios de atender às demandas dos índios, sem ferir os limites do poder público.

Um dos projetos em estudo pela Secretaria de Educação do Estado prevê a formação da categoria "professor indígena". A medida implicaria a realização de concursos estaduais específicos para a contratação desses profissionais.

Atualmente, o professor inserido neste programa normalmente está vinculado à prefeitura do município no qual a escola funciona.

Embora a prioridade seja que os próprios índios assumam a função, os gestores municipais resistem em colocar pessoas não formadas na função, o que não é requisito obrigatório neste caso. De acordo com as regras da Funai e do Estado, um professor indígena pode ensinar enquanto ainda freqüenta as aulas do ensino médio.

Carência de estrutura, merenda e material didático favorece evasão

Com 840 alunos indígenas, a Escola Pataxó, na aldeia de Coroa Vermelha, no município de Santa Cruz Cabrália (722 km de Salvador), freqüentemente passa por dificuldades com a falta de material didático e merenda escolar. "Já ficamos até dois meses sem merenda", disse a coordenadora pedagógica da escola, Raimunda de Jesus.

De acordo com Raí (nome indígena de Raimunda, que significa Sol), a irregularidade na chegada da merenda tem colaborado para o aumento da evasão escolar, principalmente no turno da noite. Ano passado, foi registrado um índice de 30% de evasão escolar.

A escola fica na aldeia de Coroa Vermelha, onde vivem 950 famílias. A unidade conta com 12 salas de aula, mas, com a implantação do ensino médio, uma sala teve que ser improvisada num espaço aberto.

Dos 22 professores da escola, todos índios, sete são universitários. Todos dominam o patxohã (língua pataxó), que desde 2000 foi incluído no currículo escolar.

Ano passado, a Secretaria Estadual de Educação lançou o livro didático Raízes e Vivências do Povo Pataxó, escrito por alunos indígenas egressos do Programa de Formação para o Magistério Indígena da Bahia.

Segundo Raí, além do livro, todos os professores da escola estão utilizando, ainda em fase de teste, uma cartilha elaborada por eles mesmos.

MATA MEDONHA - Na aldeia de Mata Medonha, no distrito de Santo Antônio, também em Santa Cruz Cabrália, a realidade dos 56 alunos que estudam da alfabetização à 5ª série do ensino fundamental é bem mais difícil.

A professora Sandra Reis dos Santos, índia, trabalha na aldeia há 5 anos, e tem que revezar com o colega Senivaldo Ferreira da Conceição (índio), para ensinar na única sala de aula do local.

Sandra ensina na alfabetização, das 7 às 10 h da manhã. A partir das 10 h, Senivaldo ensina os alunos da 4ª e 5ª séries. Os alunos da 3ª e 4ª séries estudam das 14h às 17h, com a professora Sandra. À noite, Senivaldo ensina na alfabetização de adultos.

A professora informa que a escola não tem recebido material didático e os alunos não estão estudando o patxohã , informou a professora. Os alunos que cursam da 6ª série ao ensino médio percorrem 12 quilômetros e estudarem na Escola Municipal de Santo Antônio.

Oca de barro e palha serve de sala de aula em Banzaê

Crianças sentadas em carteiras observam o professor que escreve no quadro com giz. Seria uma cena comum, se a Escola Indígena Índio Feliz não fosse uma oca de cerca de 18 m2, feita de barro e coberta de palha trançada.

No local, cerca de 30 crianças da tribo Kiriri do Araçás, no município de Banzaê (a 296 km de Salvador), assistem aulas de português matemática, além de conhecer a cultura de seu povo.

O local é um dos seis núcleos implantados na tribo e o único a não ter a estrutura física necessária para receber os alunos. Os outros núcleos funcionam em prédios construídos pela prefeitura.

A "escola oca" funciona no povoado da Cajazeira e foi construída em 2002 pela própria comunidade, devido à dificuldade de locomoção das crianças menores, que, para assistirem aula teriam que andar cerca de 3 quilômetros até a escola mais próxima.

ESPAÇO REDUZIDO - "Antes, funcionávamos na casa de uma família, mas o dia-a-dia da casa estava atrapalhando as aulas e a comunidade resolveu construir a oca, para que as crianças não ficassem sem aula", contou o professor Nilton Jesus.

Na escola, segundo ele, crianças de seis a 10 anos se dividem nas turmas de 1ª e 2ª série do ensino fundamental.

Com apenas uma sala, os alunos assistem as aulas juntos e o quadro é dividido ao meio para que o professor possa colocar o assunto referente a cada série.

Para merendar, as crianças têm que atravessar uma pista, já que não há uma cozinha e uma vizinha empresta a casa para que a merendeira faça a comida, que é fornecida pelo governo.

O professor diz que a maior dificuldade é a falta de espaço físico e de material didático. Para facilitar o aprendizado, os professores criaram uma cartilha, que é utilizada pelos alunos no momento das aulas.
PIB:Leste

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